— Não assisti ao que se passou – disse o Comissário – mas não são maneiras de se falar
a um guerrilheiro.
O Comandante levantou-se por sua vez. Os combatentes ouviam atentamente,
adivinhando a tensão que se criara entre os dois homens. Os ruídos da mata tornaram-se
perceptíveis, ritmados pelo ruído do pé do Comandante martelando o solo.
— É um impostor! – disse Sem Medo. – Não percebeste nada, então não te metas!
E saiu de casa, sem olhar ninguém. O Comissário ia falar, mas a brusca saída do outro
deixou-o com a fala suspensa. Os guerrilheiros que rodeavam o Comissário, e os outros que
estavam na janela, calavam-se, desiludidos por ter parado aí o conflito entre os dois
responsáveis
Quando Teoria entrou na cabana do chefe de grupo Kiluanje, estavam lá Milagre,
Pangu-Akitina, Ekuikui, outros guerrilheiros e, num canto, confidenciando-se pensamentos
íntimos, o jovem Vewê. Teoria notou que Kiluanje se interrompera no discurso, mas que, ao
vê-lo, voltou a falar.
— O problema que há aqui é que o Comandante não tinha razão e o Vewê é um
guerrilheiro, antes de ser primo dele.
— É primo dele e por isso ele tem poder de lhe bater mesmo – disse Pangu-Akitina. – E
você não tem nada com isso.
— Viste como o Comissário ficou zangado? – perguntou Milagre. – Se ele ficou assim, é
porque o Comandante estava mesmo errado. O Comissário não fica zangado à toa!
— Porque o Comissário nunca erra? – disse Pangu-Akitina.
— Não é isso que eu estou a falar – disse Milagre. – Mas tu, lá porque és kikongo, só
queres defender o Comandante.
— Ai é? E porque é que vocês o atacam? Porque são kimbundos...
— É melhor travar aí a discussão, camaradas – disse Teoria.
Ninguém lhe ligou importância.
— Nos Dembos – disse Milagre – um tipo como o Sem Medo já não vivia. Já o
tínhamos varrido!
— Como varreram os assimilados e os umbundos em 1961 – disse Pangu-Akitina. –
Mas isso não parou aí. Ainda vai haver muitas contas a ajustar.
— Camaradas, parem por favor – gritou Teoria, metendo-se no meio.
— Vocês julgam que vêm aqui fazer como na UPA? – disse Milagre. – O vosso partido
é a UPA, o partido dos kikongos. Vieram aqui sabotar, estão a trabalhar para o imperialismo.
— Deixa, Milagre! – disse Kiluanje. – As coisas um dia vão-se resolver, mas não
interessa agora com a boca.
— Com quê então que se vão resolver? – perguntou Pangu-Akitina. – Com quê então?
— Não interessa, deixa só!
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...