— Como vês, há erros que se não corrigem. Mas tu querias conhecer a minha história.
Pois bem! Em Luanda eu vivia com uma moça, tinha eu vinte e quatro anos. Ela chamava-se
Leli, era uma mestiça. Em 1960 começamos a viver juntos. Não casamos por complicações
com a família dela. O pai era um comerciante e queria que a filha casasse com um branco. Para
adiantar a raça! Mas as coisas arranjavam-se. Por azar, a Leli convenceu-se que gramava um
outro. Um dia apareceu-me em casa dizendo que se ia embora. Eu já desconfiava que havia
qualquer coisa, pois ela ultimamente andava ausente, fria, sempre irritada. Eu era um miúdo,
sem grande experiência. Era a minha primeira mulher, só tinha antes conhecido prostitutas.
Uma série delas, é verdade, mas isso não chega. A tática é totalmente diferente, com uma
prostituta não há praticamente uma relação de forças que se cria, tudo se faz à base do dinheiro.
Salvo se és chulo, aí está bem. Mas eu nunca fora chulo, desconhecia praticamente toda a arte
de dominar o outro.
— Dizem que é a arte suprema, ser chulo – disse o Comissário.
O Comandante não pegou no que ele disse. Continuou, dentro das suas recordações:
— Foi uma cena terrível, ela chorando num canto, eu no outro. Que não, nunca dormira
com ele, mas era o que mais desejava na vida. Acabou por ficar comigo mais uns tempos. E eu
sem aprender! Parecia que a coisa estava acalmada, mas afinal estava apenas adiada. Eu fazia
trabalho clandestino, por vezes tinha de arrancar para Caxito ou Dalatando. O meu emprego
ressentia-se com isso, mas não me importava. Ela importava-se, dizia que eu ia arranjar
mulheres, que não queria ter uma boa posição social, que ela é que sofria a miséria, etc. Eu
considerava isso como ciúmes e estava tranquilo. Se tinha ciúmes é porque me amava. Ingénuo!
O ciúme e o amor são independentes, pelo menos nesta sociedade. Pois bem. Um dia ela
voltou a repetir-me que ia ter com o outro. E saiu de casa. Nessa noite revolvi-me no mais
atroz ciúme. Queria percorrer o muceque à procura dela, imaginei matar os dois, sei lá mais
quê! Depois compreendi que a nossa vida era finalmente monótona, os rasgos de amor tinham
acabado no primeiro ano, e Leli era insaciável. Decidi que a devia reconquistar. Ela voltou na
manhã seguinte, desfeita. Contou-me que não tivera coragem de ir ter com o outro, dormira na
casa duma amiga. Compreendi que ela estava bastante presa a mim, mas que era necessário ter
uma experiência negativa de outro lado, para poder ser reconquistada.
— E então empurraste-a...
— Exato. Disse-lhe que não queria mais nada com ela, ia arranjar uma outra mulher.
Isso libertou-a de mim, mas, ao mesmo tempo, chocou-a. O fato de me perder fê-la
imediatamente vacilar. Dominei a vontade que tinha de lhe dizer a verdade e expliquei-lhe que
nessa noite refletira e que, afinal, ela já não me interessava. Leli não sabia que fazer. Vi-a
desamparada. Nesse momento senti que a vencera, era só uma questão de tempo.
— Porque não a recuperaste logo ali?
— Era preciso consolidar a vitória. Ela foi viver com o outro. Era um empregado dos
correios, metido a intelectual, extremamente vaidoso. E vazio, no fundo. Eu encontrava Leli
frequentemente, comportava-me com ela como o melhor amigo, o confidente. A sua frente
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...