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Mas isso afinal é uma forma de aceitação. O inconformismo é uma atitude racional e coerente.
Esses são apenas tipos sem personalidade, para quem as lágrimas ou os gritos não passam de
um meio exterior de se crerem ainda revoltados.
— Porreiro! – disse Teoria. – Continua.
O Comandante olhou o Comissário, que procurava manter os olhos fechados. Uma ruga
cavou-se na testa de Sem Medo.
— Há depois os inconformistas, que lutam para fugir, que preparam planos e criam
novos logo que aqueles falharam, que vivem em oposição direta com os guardas, que levam
pancada todo o tempo mas que se levantam em seguida.
— E depois?
— O terceiro tipo é o dos inconformistas serenos. Vendo que a fuga é impossível,
organizam-se, fazem agitação junto dos outros presos, arranjam maneira de estudar, escrever,
etc. Nunca se lamentam, porque sabem ser inútil. Não tentam uma fuga individual, porque é
inútil. E eles detestam os gestos inúteis, que só desgastam a capacidade de revolta.
— Vejo-te no segundo grupo – disse Teoria.
— Eu preferiria ver-me no terceiro – disse Sem Medo. – Mas talvez tenhas razão. Nem
sempre se consegue ser o que se deseja.
Os guerrilheiros, de fora, chamaram Teoria. Estava na hora das aulas. As aulas eram
seguidas com pouca atenção. Mas o Comando e o professor insistiam nelas, pois, de qualquer
modo, ajudavam a passar o tempo e a esquecer a fome. Teoria sofria, enfraquecido e a ter
constantemente de falar, mas suportava o dever.
O Comissário e Sem Medo ficaram sós. Sem Medo desligou o rádio.
— Que se passa, Comissário?
— Porque perguntas?
— Estás com cara de quem chocou com um gorila!
— E choquei mesmo! Esse Mundo Novo... apanhou-me no rio, passou-me uma
xingadela porque estou a deixar abandalhar a disciplina na Base. Que devia ser mais duro, que
estou a tomar posições liberalistas...
— Isso é bem dele!
— Que serei responsável do que se passar, qualquer dia há tiros, que não deverei ligar às
opiniões dos outros. Com isso ele queria dizer para não ligar à tua opinião. Mas estava-me a
gritar a opinião dele. Veja lá!
— E tu?
— Acabei por lhe virar as costas. É certo que a situação é delicada, uma pessoa não sabe
bem o que deve fazer. Anda tudo nervoso e deve-se ter isso em consideração, mas também é
preciso não deixar apodrecer a coisa.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora