Fugi dela, não a revi, escolhi sozinho, fechado em casa, na nossa casa, naquela casa onde
em breve uma criança iria viver e chorar e sorrir. Nunca vi essa criança, não a verei jamais. Nem
Manuela. A minha história é a dum alienado que se aliena, esperando libertar-se.
Criança ainda, queria ser branco, para que os brancos me não chamassem negro.
Homem, queria ser negro, para que os negros me não odiassem. Onde estou eu, então? E
Manuela, como poderia ela situar-se na vida de alguém perseguido pelo problema da escolha,
do sim ou do não? Fugi dela, sim, fugi dela, porque ela estava a mais na minha vida; a minha
vida é o esforço de mostrar a uns e a outros que há sempre lugar para o talvez.
Manuela, Manuela, amigada com outro, dando as suas carícias a outro. E eu, aqui,
molhado pela chuva-mulher que não para, fatigado, exilado, desesperado, sem Manuela.
Sem Medo foi lavar-se perto do Comissário. Admirou o torso esguio mas musculado do
outro.
— Estás em forma. Eu começo a ficar com barriga.
— É a vida do exterior – disse o Comissário. – Há quase seis meses que não fazes uma
ação... O que me chateia é avançar sem saber ao certo o que se vai fazer. O plano não me
agrada.
O Comandante sentou-se numa pedra.
— Esperemos que o Das Operações tenha razão. Ele é que fez o reconhecimento...
— Reconhecimento! – disse o Comissário. – Desceu o rio, encontrou a picada de
exploração de madeira. Chamas a isso um reconhecimento? Nem sequer sabe se os tugas têm
tropa na exploração.
— Vamos saber agora. O que é preciso é começar. Metemos a Base no interior, já foi
um passo em frente. Acabada a guerra de fronteira! Agora vamos estudando as coisas no
terreno e decidindo aos poucos. De qualquer modo, esta operação está dentro das tuas teorias:
ação política mais que militar. Não sei de que te queixas...
— Não é isso, Comandante. Se impedirmos essa exploração de continuar a roubar a
nossa madeira, é um golpe económico dado ao inimigo, está porreiro. Além disso, vamos atacar
num sítio novo, o que é bom em relação ao povo, que nem sequer pensa em nós... pelo menos,
aparentemente. Mas é o lado militar que me preocupa. Não sabemos onde está o inimigo e qual
o seu efetivo. Somos tão poucos que não podemos permitir-nos o luxo de sermos
surpreendidos. Nenhuma outra vitória justifica essa derrota.
O Comandante ensaboou a cara e mergulhou-a na água fresca do rio. Depois ficou a
observar os primeiros peixes que apareciam.
— Como sempre, tens razão. Pois é esse lado ignorado da operação que me agrada. Não
gosto das coisas demasiado planificadas, porque há sempre um detalhe que falha. Reconheço
ser um erro, que queres? É a minha natureza anarquista, como dirias. Como conhecer o
inimigo? Só fazendo-o sair dos quartéis, pois que informações não temos. Esta inércia, esta
apatia, têm de acabar. É preciso dinamizar as coisas. Já estivemos parados demasiado tempo, à
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...