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— Nada a fazer, João. Ela tem as suas razões. Mais tarde compreenderás. Um dia verás
que era melhor assim. Quis dizer-to ontem, mas não estava seguro.
O Comissário deixou-se de novo cair sobre a cadeira. Apoiou a cabeça na secretária.
Sem Medo foi fechar a porta de entrada, para que não o vissem chorar.
Os soluços foram diminuindo gradualmente. Até que o Comissário levantou a cabeça.
— A vossa conversa foi tão rápida... Não fizeste nada para a convencer, pois não?
Qual era a verdade? Fizera alguma coisa para a convencer? Sim e não. Convencer de
quê? De qual verdade?
— Não, não fiz nada. Ela tem as suas razões, estou de acordo com ela.
O Comissário olhou-o em silêncio. As lágrimas deslizavam ainda, mas os soluços tinham
parado.
— Um dia tu também compreenderás. Entre vocês nada é possível. Nada de sério, de
duradoiro. Talvez mais tarde. Mais tarde, sim, se se reencontrarem. Mas nem deves pensar
nisso, deves libertar-te.
— Então tu disseste-lhe que ela tem razão? Então tu reforçaste a sua ideia?
Reforcei a ideia dela? Talvez. Sempre o sim ou o não, quando se não sabe o caminho a
tomar.
— Ela já tinha a sua ideia.
— Mas não procuraste convencê-la do contrário.
— Não.
— Disseste-lhe mesmo que ela fazia bem.
— Se não o disse, era o que queria dizer. Não sei se lho disse, mas era isso que queria
dizer.
O Comissário levantou-se. Os lábios tremiam. Apertou violentamente o bordo da
secretária.
— Traíste-me, Sem Medo. Tu traíste-me.
— Mas que queres afinal? Queres a Ondina a todo o preço, ou queres uma ligação séria
com a Ondina? Que queres afinal, João?
— Eu quero a Ondina, ainda não compreendeste?
— Quaisquer que sejam as consequências?
— Sim.
— Então traí-te, João. Traí-te. Porque não era isso que eu pensava ser o melhor. Se era
para teres a Ondina a qualquer preço, sem te importares com o que te poderia suceder no
futuro, não me devias ter pedido para lhe ir falar. Eu não iria.
— Sabes o que tu és afinal, Sem Medo? És um ciumento. Chego a pensar se não és
homossexual. Tu querias-me só, como tu. Um solitário do Mayombe. Para que só te tivesse a ti,
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...