essa a relação dialética entre o escravo e o senhor de escravos. Que as relações humanas são
sempre contraditórias e que as não há perfeitas. Que a sorte sorri a quem a procura, arriscando.
Que não há atos gratuitos e que não existe coragem gratuita, ela deve estar sempre ligada à
procura dum objetivo. E que, quando alguém quer fazer uma asneira, deves deixá-lo fazer a
asneira. Cada um parte a cabeça como quiser! Depois de ter a cabeça partida, aceitará melhor
um conselho. Só se pode provar que um plano é mau, quando ele não atingir o objetivo
proposto.
— Dir-se-ia que toda a tua vida te levou para a estratégia militar, Sem Medo. O
seminário, o amor..
— Sim. A vida modelou-me para a guerra. A vida ou eu próprio? Difícil de saber.
— Pensas muito na Leli?
— Sim. Antes duma ação. Isso aliás dá-me força para combater.
— É por isso que lutas?
Sem Medo observou-o. Depois desviou a vista para a água que, de novo, corria sobre os
seus pés.
— Não, penso que não. Já antes lutava. Nunca é só uma a razão que leva um tipo a
lutar. Isso contou, talvez, mas não é a única razão. Mas não me criticas? Esta história não te
choca?
— Hoje não. Talvez depois, quem sabe?
Sem Medo despiu-se. Ali perto havia uma enorme pedra que entrava na água. Ao lado
da pedra, o rio era profundo, da altura dum homem, o que formava uma piscina natural de sete
metros de comprimento por três de largura. Sem Medo mergulhou e deixou-se ficar
submergido até perder o fôlego. Veio à tona e deu umas braçadas, atingindo o bordo da piscina.
Voltou a mergulhar, atravessou a piscina debaixo da água e veio sair perto do Comissário.
— Devias nadar.
— E quem faria a guarda?
— Está bem. Quando acabar, vou fazer a guarda.
O Comandante voltou a mergulhar. A água estava fresca, quase fria. No Mayombe é
sempre cristalina, pois são rios de montanha que correm sobre pedras. Sem Medo nadou dum
lado para o outro, até sentir frio. Saiu a tremer e procurou uma réstia de sol.
— Podes ir. Eu faço agora a guarda.
— Não – disse o Comissário. – Acabei de comer agora.
— Teorias! Nunca fez mal a ninguém. Só apanha congestões quem tem medo delas.
— É estúpido morrer duma congestão.
— É estúpido morrer! Mas se te digo que não faz mal... Não penses nisso e mergulha.
Vais ver que nada acontecerá.
— Não vale a pena.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...