— Houve dois à noite: primeiro o Mata-Tudo, a seguir o Katanga.
— E no portão?
— O Tranquilo e o Angelo, o que desertou do tuga há pouco.
— Vocês põem um desertor que chegou agora já de guarda?
— Falta de efetivo.
— Não pode, está errado, não sabem quem ele é. Pode ser enviado pelo tuga para
sabotar.
— Sim, camarada Comandante.
Todos kimbundos, salvo o desertor, pensou Sem Medo.
Os guardas foram chamados ao interrogatório. As respostas foram as mesmas: não
tinham ouvido nada, não adormeceram não senhor, não notaram nada de anormal. Os guardas
do portão podiam não estar implicados. Ingratidão escaparia facilmente pela sebe, sem passar
pelo portão. Mas, dos guardas da cadeia, um dos dois teve de lhe abrir a porta ou deixá-lo fazer.
O guarda ficava só à porta, à noite, não ia verificar se o preso dormia lá dentro. Por isso, um
deles podia estar inocente. Sem Medo mandou fazer formatura. Depois de os guerrilheiros
estarem alinhados e o Chefe do Depósito lhe ter apresentado a formatura, o Comandante disse:
— O Mata-Tudo e o Katanga vão para a cadeia. Um deles ajudou o Ingratidão a fugir.
Vão cumprir a pena dele, enquanto se não souber exatamente o que se passou.
Os guerrilheiros hesitaram em cumprir a ordem.
— Camarada Chefe, nomeie dois guerrilheiros para irem fechar o Mata-Tudo e o
Katanga. E se algum deles fugir, o responsável será o Chefe do Depósito.
O Chefe fez sinal a dois guerrilheiros, que, de má vontade, cumpriram a ordem. Os
outros murmuraram.
— Escusam de falar – disse Sem Medo. – Sei o que estão a pensar. Mas descansem, este
caso será definitivamente resolvido pelo novo responsável. Enquanto ele não vem, ou enquanto
o verdadeiro culpado não se apresentar, sou obrigado a mandar prender os dois camaradas. Um
deles cometeu o erro, mas como saber?
Os murmúrios não cessaram.
— Camaradas, sei que vai haver agitação, estava à espera dela. Vão atirar mais isto para
cima do camarada André. Neste caso ele não tem nada a ver, sabem tão bem como eu. Vamos
falar claro! O Ingratidão é kimbundo, a maioria de vocês também o é. Algum malandro
aproveitou a confusão de Dolisie para o libertar. Pensaram que se não tomariam medidas
porque, como o André é kikongo e cometeu crimes, ninguém ousaria tomar uma medida contra
um kimbundo. Pois eu tomo! A mim não me interessa se este é kikongo ou kimbundo. Sou
contra aquele que comete. Não podem negar que eu era contra o André, pois ele fazia muitos
erros de propósito. E ele é quase meu parente. Todos aqui me conhecem. Só os cegos ou os
desonestos podem dizer que faço tribalismo. E sabem que não tenho medo da chantagem
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...