pág 103

45 4 0
                                    


— Está mau – disse o velho. – O camarada André fez bem em fugir, senão tinha levado
um tiro.
— Era o que ele merecia – disse Sem Medo.
— Acha que sim?
— Porque não?
O velho abanou a cabeça. Recebeu a toalha molhada e abanou de novo a cabeça.
Apontou o maço de cigarros que sobressaía do bolso da camisa atirada sobre uma cadeira.
— Posso tirar um?
— Tira, mais velho. O André não vos dá dinheiro?
— Aquele? Fuu!
Ouviram um carro parar à frente do bureau. O velho saiu da casa de banho a correr.
Sem Medo acabou de se vestir e foi ao gabinete. Encontrou lá o membro da Direção e um
André amarrotado, perdido todo o porte aristocrático que lhe conferia o corpo esguio e a
barbicha longa. Sem Medo cumprimentou o dirigente.
— Quando chegaste da Base?
— Agora mesmo. Esse homem finalmente apareceu? — disse Sem Medo, apontando
André com o queixo.
— Não me cumprimentas? – perguntou André.
— A ti? Só a murro!
O dirigente olhou para o velho Kandimba, que presenciava a cena. Este, sem uma
palavra, abandonou o bureau.
— Estava escondido numa casa. Foi um trabalhão para o convencer a vir aqui.
— Vão-me matar, eu sei que me vão matar.
— O Comissário veio comigo – disse Sem Medo.
André estremeceu. Levantou-se da cadeira, agarrou o braço do dirigente.
— Deixe-me ir embora. Vão-me matar. É um escândalo para o Movimento, deixe-me ir
embora.
— Parecias mais corajoso quando enfrentavas as mulheres – disse Sem Medo.
— Ninguém fará nada – disse o dirigente. – O camarada vai ficar no seu quarto, com
militantes à porta para o protegerem. É só o tempo de acabar o inquérito, depois seguirá para
Brazzaville.
— Vão ser os próprios guardas que me matarão.
— Deixa-te de chorar como uma galinha – disse Sem Medo. – Se te matarem, também
não se perde muito.
— Chega, Sem Medo! – disse o dirigente.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora