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— Já almocei galinha, camarada André. Nem sei se os camaradas na Base almoçaram
outra coisa senão comunas. Não preciso de jantar. Até à próxima, camarada André. E obrigado
pelos 500 francos, vou comprar com eles comida para os guerrilheiros.
E saiu, batendo com a porta. A guerra estava aberta, o Comissário sabia que tinha feito
mais um inimigo.
Às quatro da manhã, quando se preparavam para partir, o Comissário perguntou aos
outros:
— O Verdade?
— Não vai.
— Não vai como?
— Tem autorização do camarada André para ficar.
— O quê? O quê? O quê?
O Comissário percorria o quarto escuro, batendo os tacões da bota na terra batida. O
quê? Tinha vontade de ir arrancar André da cama e esbofeteá-lo. Como? Ele não autorizara
Verdade a ficar e André fizera-o. Quem era o Comissário da Base? Com que direito André se
metia a decidir das permissões? Ele partia para não dar um exemplo de abuso e o responsável
encorajava os abusos.
Quase com lágrimas nos olhos deu a ordem de partida. O cortejo de cinco homens
meteu-se na mata, na noite, em passo acelerado, ritmado por um Comissário que fugia, como
louco, para não desesperar, correndo para a sua Base, onde as coisas eram normais, onde os
homens faziam o que podiam para lutar e para esquecer o clima que reinava nas suas costas. O
dia rompeu e o Comissário não parou. À frente do grupo, contra todas as medidas de
segurança, voava sobre o trilho escorregadio, indiferente aos pedidos dos homens que queriam
beber água, indiferente às lianas que lhe batiam na cara, defraudado, violado, jurando vingança,
procurando a companhia e a segurança de Sem Medo, que já se não desiludia de nada, porque
com nada se iludia.
E o percurso durou só cinco horas e meia, quando geralmente eram precisas oito.
Ao ouvir a narrativa do Comissário, Sem Medo riu dele. Olhava o seu ar meio
envergonhado, meio ofendido, e ria, ria até se torcer. O Chefe de Operações compôs um
sorrisinho leve, que se colou ao bigodinho bem aparado.
— É o que dá querer ser-se mais papista que o Papa! Tinhas todo o direito de ficar uns
dias em Dolisie, pois há meses que não ias e aqui não havia nenhum trabalho urgente. Quiseste
ser irrepreensível até ao fim, quiseste ter uma ideia superior de ti mesmo... Foste levado! É o
que dá ser-se ingénuo. E pensas que amanhã receberemos comida? Uma ova! Vai ser preciso
que mais um de nós arranque para lá. Se não fossem as comunas, morreríamos de fome.
O Chefe de Operações levantou o braço, como que pedindo a palavra. Falou
pausadamente, procurando com cada palavra lançar uma pedrada ao Comissário.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora