fuzilando. O pai dele, a mãe, os irmãos? Todos fuzilados? O povo não apoiava, porque a guerra
não crescia. O povo não apoiava, porque vieram fazer a guerra em Cabinda sem explicar bem
antes por que a faziam, era ainda Lutamos uma criança.
Ao dobrarem uma montanha, o zumbido duma serra mecânica fez-se ouvir, através dos
mil zumbidos do Mayombe. O ruído vinha da direita, muito perto deles. Mas Lutamos, dentro
de si, continuava a avançar.
— Que é que ele tem? – segredou o Comandante a Ekuikui.
Lutamos distanciava-se do resto do grupo, que tinha estacado ao ouvir o ruído. O
Comissário correu atrás dele, evitando fazer demasiado barulho.
— Está a fazer de propósito – disse Milagre.
— Vai avisar os homens – disse Pangu-Akitina.
— Vai sabotar a missão – disse Verdade.
— Calem-se, porra! – disse o Comandante. – Esperem saber para falar.
O Chefe de Operações tinha ido atrás do Comissário. Lutamos parara ao ouvir o seu
nome chamado atrás. Espantou-se ao ver o Comissário com cara de caso e, mais atrás, o Chefe
de Operações. A um gesto do Comissário, apercebeu-se do zumbido forte.
— Porque é que avançaste?
— Estava distraído. Os outros?
— Vamos voltar atrás. E presta atenção.
O Chefe de Operações nada disse; deixou-os passar por ele e limitou-se a segui-los. Os
guerrilheiros olhavam Lutamos com desconfiança, mas ele não notou.
— Que houve? – perguntou Sem Medo.
— Estava distraído e não reparou em nada – disse o Comissário.
O Comandante esboçou um sorriso, que logo desapareceu.
— Temos um guia às dimensões da Região! Bem. Verdade e Muatiânvua vão pela
esquerda, com o Comissário. Milagre, Pangu-Akitina e o Das Operações vão pela direita. Nós
ficamos aqui. Vejam o que há e voltem. Cuidado, nada de tiros! É preciso saber se há soldados.
Sem Medo sentou-se, logo imitado por alguns companheiros. Teoria esfregava o joelho.
Ekuikui estudava as árvores, procurando vestígios de macacos. Fazia-o por hábito, o seu
passado de caçador nos planaltos do Centro tinha-o marcado. Mundo Novo, sentado, limpava
as unhas com o punhal. As mãos eram finas e as unhas compridas. Um perfeito intelectual,
pensou Sem Medo. Lutamos alheara-se do grupo, os ouvidos atentos. O zumbido da serra
continuava a cortar o ar. De repente, a serra parou e ouviram-se gritos.
Os guerrilheiros levantaram-se, em posição. Ruídos de ramos partidos e, em seguida, um
fragor que cobriu todo o tumulto do Mayombe e ficou a ressoar nas copas das árvores, até se ir
diluindo, aos poucos, pelos vales do Lombe.
— Foi a árvore que caiu – disse o Comandante.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...