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Sacanas colonialistas, vão à merda, vão para a vossa terra. Enquanto estão aqui, na terra dos
outros, o patrão está a comer a vossa mulher ou irmã, cá nas berças!
E deixou o bilhete bem à vista, no meio do terreno minado. Os guerrilheiros sorriam.
— O sacana que quiser ler, vai pelo ar – disse o Das Operações.
— Foi pena não reforçar as minas com dinamite – disse Ingratidão do Tuga – mas não
dá tempo.
— Vamos – disse Sem Medo.
O grupo avançou pelo Mayombe, a caminho do ponto de recuo, os prisioneiros no
meio.
No ponto de recuo, contaram os prisioneiros feitos pelos dois grupos: dez. Sem Medo
reparou no mecânico, que tinha ar mais instruído que os outros. Perguntou-lhe:
— Aonde vai dar a picada?
— À estrada.
— Qual estrada?
— Entre Sanga e Caio Nguembo. A estrada está a uns cinco quilómetros.
— Quantos soldados há no quartel?
O mecânico hesitou. Olhou os companheiros. Destes não vinha nenhuma ideia.
— Não sei. Talvez cem...
— Tugas?
— E angolanos. Tropas Especiais...
O interrogatório continuou e alargou-se aos outros prisioneiros. O miúdo capturado por
Mundo Novo tinha catorze anos e chamava-se António. Falava mais à vontade que os outros.
O mecânico estava desconfiado, os olhos inquietos passavam de uns a outros, fixando-se mais
em Sem Medo. Lutamos pedira autorização para falar com eles em fiote, mas o Das Operações
respondeu que não valia a pena. O Comissário ia intervir. Sem Medo pegou-lhe no braço,
exigindo silêncio. E Sem Medo mantinha o interrogatório em português, língua que todos
falavam, bem ou mal.
O Comando reuniu em seguida. Decidiu guardar os trabalhadores por um dia,
caminhando em direção ao Congo. Depois libertariam os trabalhadores e voltariam para o
mesmo sítio, entre a picada e a estrada. Nesse dia, os tugas não ousariam aproximar-se. No dia
seguinte, os trabalhadores iriam dizer que os guerrilheiros tinham voltado ao Congo e os
soldados cairiam, sem contar, numa emboscada. O que faria pensar que vários grupos atuavam
ali.
— Habituados a que nós façamos uma ação e depois recuemos para o Congo, nunca se
aperceberão de que é o mesmo grupo – disse Sem Medo. – E isso influirá no espírito do povo,
a quem mostraremos uma força desconhecida, e no do tuga, que ficará certamente
desorientado. O que é preciso é não fazer erros.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora