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Lá em Quibaxe, eu já era homem e casado, quando começou a guerra. Camponês sem
terra, trabalhava na roça dum colono. Entrei na guerra, sabendo que tudo o que fizesse para
acabar com a exploração era correto. E tudo fiz. Mas não foi tão rápido como se imaginava. Os
traidores impediram a luta de crescer. Traidores de todos os lados. É mentira dizer que são os
kikongos ou os kimbundos ou os umbandos ou os mulatos que são os traidores. Eu vi-os de
todas as línguas e cores. Eu vi os nossos próprios patrícios que tinham roças quererem
aproveitar para aumentar as raças. E alguns colaboraram com a Pide.
Por isso, Sem Medo tem razão. Por isso não durmo, para que haja justiça. Ingratidão
cometeu um crime contra o Povo e quem o ajudou a fugir cometeu também. É justo serem
castigados.
Já sou velho, já vi muita coisa. As palavras têm valor, o povo acredita nas palavras como
deuses. Mas aprendi que as palavras só valem quando correspondem ao que se faz na prática.
Sem Medo fala como age. É um homem sincero. Que me interessa a língua que falaram
os seus antepassados?
Ele está sozinho aqui, em Dolisie. Rodeado de inimigos ou, pelo menos, de pessoas que
não o compreendem. Os guerrilheiros apreciam-no como Comandante, mas desconfiam dele
porque é kikongo. Eu aprecio-o e não desconfio dele.
Por isso fico acordado.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora