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espera de instruções. É a nós de tomarmos a decisão. Só a ação pode pôr a nu as faltas ou os
vícios da organização. Porque é que nas outras Regiões a guerra progride e aqui não cessa de
recuar? Porque não temos estado à altura, nós, o Movimento. Culpa-se o povo, que é traidor.
Desculpa fácil! É o povo daqui que é traidor ou somos nós incapazes? Ou as duas coisas? Para
o saber, temos de agir, fazer mexer as coisas, partir as estruturas caducas que impedem o
desenvolvimento da luta.
O Comissário vestiu a camisa. Sentou-se numa pedra e ficou a observar Sem Medo.
Outros guerrilheiros lavavam-se mais adiante.
— Estou de acordo que é preciso agir. Não acredito nessa estória de que o povo é
traidor, a culpa foi nossa. Mas acho que é preciso estudar mais as coisas, não agir à toa.
Sobretudo agora que fazemos uma guerra sem povo, que estamos isolados...
— Náufragos numa ilha que se chama Mayombe – disse Sem Medo.
— Sobretudo agora que somos fracos, que temos um efetivo ridículo, devemos ser
prudentes. Os nossos planos têm de ser perfeitos. Ação sim, só ela agudiza as contradições que
fazem avançar, mas ação consciente. Somos cegos, pois não temos os olhos e as antenas, que
são o povo.
Se somos cegos, então apalpemos o caminho antes de avançar, senão caímos num
buraco.
Tinham acabado de se lavar. Sem Medo acendeu um cigarro. Até eles chegava o cheiro
de matete para o mata-bicho. O Comissário tossiu e disse:
— Tu és o Comandante, o que quiseres é lei...
— Somos três no Comando, camarada. Se vocês os dois não estiverem de acordo, eu
inclino-me. Não sou ditador, bem sabes.
— Somos três? Vocês são dois!
Sem Medo fixou-o. Uma ruga cavou-se-lhe entre os olhos.
— Que queres dizer?
— Simplesmente que, desde que tu e eu não estejamos de acordo, vocês são dois e eu
um: O Das Operações vai sempre pelo teu lado. Até parece que nunca reparaste!
— Sim, reparei. Porque faz ele isso?
— Não tens ideia?
— Tenho duas: ou porque sou o Comandante, ou porque tu és o Comissário.
— Estás a gozar!
— Não estou nada. Ou porque sou o Comandante e deve apoiar-se para estar bem
comigo e poder subir... ou porque tu és o Comissário, cargo logo a seguir ao dele, e deve estar
contra ti, destruir-te, mostrar os teus erros, para apanhar o teu lugar.
— Pensas assim?
— E certo!

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora