pág 133

34 4 0
                                        


— No de que as mulheres são coletivas?
— Que ideias são essas? Isso é propaganda católica anticomunista. Para ele, toda a
mulher devia ser livre de o aceitar ou de o recusar, assim como ele era livre de desejar ou não
qualquer mulher. Só isso. E se houvesse consequências, cada um era livre de as aguentar. Era
um comunista, não no sentido de que as mulheres são coletivas, mas no de que são tão livres
como os homens livres. Como vês, é um programa que cabe numa mão.
— Há tipos que não são comunistas e pensam assim.
— Eu sei, Ondina. Isso não chega para fazer o comunista. Mas ele tinha todo o resto. E
o burguês ou o pseudo-revolucionário como nós pode pensar assim, mas nunca é coerente até
ao extremo dos seus atos. Ele foi a pessoa mais livre que conheci. Sempre o invejei. Depois
compreendi que nunca poderia ser como ele e conformei-me. Um homem deve conhecer
exatamente os seus limites e aceitá-los. De outro modo é um parvo que se ilude sobre si
mesmo. Ou um desonesto.
— Mas ele punha os seus desejos acima da Revolução?
— Era o seu drama, dizia-me ele. Por vezes sucedia desejar uma mulher e ter um
trabalho urgente, sem possibilidades pois de a seguir. Nesse momento, escolhia o trabalho.
— Então não era livre.
— Ninguém pode ser livre quando tem uma Revolução a fazer. Mas ele, mesmo assim,
foi o mais livre que encontrei, pois só as razões sociais ou políticas o podiam travar. Não eram
razões de moral individual, ou porque ela é casada ou porque... sei lá mais quê. Há homens que
não traem a mulher apenas porque não gostariam de ser traídos e têm consciência de que a
liberdade é igual para todos. Já são evoluídos, mas terás de reconhecer que ainda ficam longe do
meu libertino de Praga. E esses são os mais evoluídos da nossa sociedade.
— Como tu o farias?
— Eu? Eu não me casaria, é o mais simples.
— Estás a fugir à resposta.
— Tu és viva! – Sem Medo sorriu-lhe com ternura. – Tens razão, estou a fugir. Vou ser
sincero, ao menos uma vez na vida. Eu detestaria, não poderia mesmo suportar, que mulher
minha dormisse com outro. Sei o que é isso, já o sofri, não poderia repeti-lo. Acho, no entanto,
que ela deveria ser tão livre como eu para ter as suas aventuras. Se casasse, o que se passaria?
Ser-lhe-ia fiel. Não porque não desejasse outras mulheres, mas para poder exigir dela a mesma
fidelidade. Como vês, o casamento seria uma prisão hipócrita. Por isso não caso. Ainda não
cheguei, nem chegarei nunca, ao nível do meu amigo de Praga. Para ele isso era natural, estava
na ordem das coisas.
— Afinal era casado?
— Sim, com uma alemã do Leste.
— Como era ela?

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora