descoberta pode levar uma vida. Conheci um tipo, um militante, que ao se juntar a uma mulher
fez uma autocrítica sincera do que era. Passou uma noite a falar. Contou tudo tal qual se via.
«Agora já me conheces, já estás prevenida». Ao fim de um mês, a mulher abandonou-o. E ele
era o melhor tipo do mundo. O seu mal foi aplicar à letra no amor o que aprendera no Partido
sobre os benefícios da autocrítica.
— Isso depende das mulheres. Há mulheres que querem saber exatamente como o
homem é, para se acomodarem a ele, para moldarem o seu comportamento segundo o do
marido.
— São as escravas. As que não procuram o amor, com todos os seus riscos, mas uma
situação tranquila. Isso para mim não são mulheres, são coelhas. Não é dessas que falo. Falo
das que são adversários sérios e que, portanto, são capazes de dar o maior prazer e os maiores
desgostos a um homem. A mulher sem personalidade, que vive em função do outro, a
submissa, é como o homem que aceita a desgraça sem se revoltar. Uns medíocres!
— São consequência duma sociedade – disse o Comissário. – Conheci uma mulher
assim. Era casada, o marido abandonou-a, penso que por ter feito dela um capacho tal que se
fartou de limpar os pés nela. Foi na Europa. Há quatro meses que se separara do marido. Eu já
a conhecia antes, ela tinha um corpo bastante excitante, a ocasião ofereceu-se, aproveitei.
Aceitou facilmente os beijos e as carícias, mas não queria ir para a cama. Ainda tinha esperanças
em que o marido voltasse e não queria traí-lo, mesmo que num momento de separação. Se foi
para a cama comigo é porque estava realmente com necessidade de homem, é das tais coisas a
que uma pessoa se habitua, mesmo se mediocremente. Levei três horas a convencê-la.
— Grande luta...
— Nem imaginas! Foi preciso levá-la a reviver os momentos de separação do marido,
levá-la a ver o marido nos braços de outra, pô-la a chorar, para depois as carícias a aquecerem
até ser capaz de perder a cabeça. Nessa noite eu estava excitado, ela tinha umas coxas atrativas,
senão teria desistido. Não, não foi isso! Foi mais a aposta comigo próprio e a curiosidade de ver
como ela era realmente. Depois do amor pôs-se a chorar, a dizer que já não merecia o marido,
que era uma puta, etc. A submissão tinha moldado completamente o seu espírito. Nunca mais
quis nada com ela, como é evidente.
— Isso vem do papel social da mulher – disse o Comissário. – Numa sociedade em que
o homem controla os meios de produção, onde é o marido que trabalha e traz o dinheiro para
casa, é natural que a mulher se submeta à supremacia masculina. A sua defesa social é a
submissão familiar.
— No geral é isso. Mas há mulheres que se não submetem, que encontram no amor o
contrapeso a essa inferioridade social. E mesmo sem trabalhar, estando dependentes
economicamente, são capazes de jogar taco-a-taco com o homem. Seria aliás essa a sua melhor
defesa.
— São exceções. Repara que há séculos de submissão. Isso marca.
VOCÊ ESTÁ LENDO
mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...