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preciso cortar à catana, para abrir caminho. Às quatro horas, começou a chover. A água descia
pela montanha, ensopava o solo. As botas tornaram-se dez vezes mais pesadas, com o peso da
lama. As escorregadelas eram frequentes e Pangu-Akitina, o enfermeiro, ao escorregar, deixou
cair a pépéchá, que foi preciso ir buscar vinte metros mais abaixo. As cinco horas atingiram o
alto da montanha, exaustos. Depois de curto descanso, principiaram a descida, pois à noite era
impossível dormirem na montanha, por causa do frio. A descida, embora mais rápida, era mais
perigosa que a subida. O Comissário escorregou e rebolou na lama, até se conseguir agarrar a
uma liana. As pernas tremiam, pelo esforço de se aguentarem. Os joelhos doíam. Os sacadores
impeliam os homens para a frente, para o abismo. A chuva continuava a cair. Às seis horas
escureceu totalmente e eles ainda não tinham descido a montanha. O resto foi feito quase de
rastos, na escuridão da montanha traiçoeira, a chuva fustigando o rosto. Quando algum caía, os
outros não tinham esperança de o reencontrar. Chegaram finalmente ao rio. A noite não
permitia procurarem um sítio mais ou menos seco para acamparem. Deixaram-se cair numa
espécie de clareira, controlaram o grupo para ver se estavam todos. Felizmente, ninguém
faltava. Abriram os sacadores, onde tudo estava molhado, o pano de dormir, a comida, as
munições, tiraram latas de leite e beberam o leite frio, pois não se poderia acender fogo com
aquela chuvada.
Ao cair, Teoria voltara a esfolar o joelho. O sangue agora já estancara. Pangu-Akitina
olhou a ferida, alumiada pela lanterna a pilhas, e deixou-a ficar assim. Como tratá-lo, se todos
os pensos estavam molhados? Limitou-se a deitar-lhe um bocado de álcool sobre o ferimento.
Teoria apertou os lábios, o que não impediu um gemido teimoso de lhe sair da boca.
Houve quem estendesse a lona no chão molhado para dormir. A maior parte, porém,
deitou-se mesmo diretamente no chão, tapando-se com o pano já molhado.
— De vez em quando mexe os braços e as pernas – disse Sem Medo ao Comissário. –
Senão podem ficar fixos ao chão, pois o clima aqui é tão fértil que, com a chuva, se criam raízes
dum dia para o outro. Boa noite, sonhos cor-de-rosa!
Como pode ele ainda brincar?, perguntou-se o Comissário, meio escandalizado.
Eu, o Narrador, Sou Milagre, o Homem da Bazuka.
Viram como o Comandante se preocupou tanto com os cem escudos desse traidor de
Cabinda? Não perguntam porquê, não se admiram? Pois eu vou explicar-vos.
O Comandante é kikongo; embora ele tenha ido pequeno para Luanda, o certo é que a
sua família veio do Uíje. Ora, o fiote e o kikongo são parentes, é no fundo o mesmo povo. Por
isso ele estava tão furioso por se ter roubado um dos seus primos. Por isso ele protege
Lutamos, outro traidor. E viram a raiva com que ele agarrou o Ingratidão? Porquê? Ingratidão é
kimbando, está tudo explicado.
Os intelectuais têm a mania de que somos nós, os camponeses, os tribalistas. Mas eles
também o são. O problema é que há tribalismo e tribalismo. Há o tribalismo justo, porque se
defende a tribo que merece. E há o tribalismo injusto, quando se quer impor a tribo que não
merece ter direitos. Foi o que Lenine quis dizer, quando falava de guerras justas e injustas. É

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora