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— Kandimba, arranje de comer para este camarada, faz favor.
— A esta hora?
— A esta hora mesmo. O camarada andou muito e não comeu. A fome não tem horas.
— Só há pão e chá.
— Já é alguma coisa – disse o mecânico.
— Então venha comer – disse Sem Medo.
Ficou a fazer companhia ao mecânico, conversando, enquanto ele comia. Depois
indicou-lhe o sítio onde dormir.
— Amanhã de manhã fale com o camarada Mundo Novo, que é o responsável daqui.
Aliás, já o conhece.
Foi-se deitar, sorrindo. O Comissário tinha feito bom trabalho, quando foi devolver o
dinheiro.
Sem Medo esforçou-se por adormecer, mas não o conseguiu. Ondina vinha despertá-lo
da sonolência. Ele adivinhava o corpo dela mexendo na cama, lembrava os mais pequenos
detalhes do seu corpo, do seu calor.
Saiu do quarto e abriu a porta dela.
— Estava à tua espera – disse ela.
Sem Medo correu para os braços que se abriam para ele.
— Porque foges de mim? – perguntou ela.
Sem Medo afastou a boca do seio que rompia a combinação e disse:
— Tu amas o João. Tu reencontrarás um dia o João.
— Neste momento amo-te. É a ti que amo.
— Não. Desejas-me, é diferente. Mas amas o João. É isso o amor. Manter a ternura pelo
mesmo homem, embora se deseje outros a momentos diferentes.
Ela acariciou-lhe a cabeça.
— Nós podemos ficar juntos. Seríamos felizes. Cada um com as suas aventuras
provisórias, mas voltando sempre ao outro.
— Não, eu não suportaria. O João, sim. Com o João poderás fazer isso. Ele adaptar-se-
á, é um homem diferente. Eu pertenço à geração passada, aquela que foi marcada por toda a
moral duma sociedade tradicionalista e cristã.
Fizeram amor. Desesperadamente. Sem Medo sabia que era a última vez: depois da
missão, só voltaria a Dolisie quando recebesse a ordem de partida para o Leste. Entretanto,
Ondina já teria partido.
Acenderam-se cigarros. Ela aninhou-o no seu seio.
— Amo-te, Sem Medo. Amo-te e, ao mesmo tempo, fazes-me medo, pois és demasiado
senhor de ti.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora