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— Como ele. Perguntas como era fisicamente? Muito bela, verdadeiramente muito bela.
Tinha uns olhos azuis que, por vezes, sobretudo quando a luz batia neles, tinham fulgurações
violeta.
— Poeta...
— Há mulheres que me fazem poeta.
— Dormiste com ela?
Sem Medo acendeu um cigarro. Viu Karin à sua frente, uma rainha de desafio, plantada
sobre as pernas afastadas e as mãos nas ancas, um sorriso trocista.
— Não. Fugi dela. Foi aí que compreendi que nunca poderia ser como o meu amigo.
Ela provocava-me, acariciava-me e eu fazia-me desentendido. Porquê? Porque era mulher do
meu amigo, o qual, aliás, estava-se marimbando para que eu dormisse com ela ou não. Até
acharia bem! Como vês, não sou um libertino.
— Ele não gostava dela – disse Ondina.
— É o que diria a minha mãe e a minha tia, e a tia da minha tia... Não estou tão certo
como tu. Raciocinamos em função da nossa sociedade, sociedade assimilada à cultura judaico- cristã europeia, em que o homem tem de ser ciumento, porque é o bode do rebanho e a mulher
é a sua propriedade. No fundo, que acontece à propriedade que é arrendada a outro? Às vezes
até fica renovada, rejuvenescida, com o empate de capital e de trabalho. Mas nós não
compreendemos isso. A mulher é uma propriedade especial. Temos uma geração de atraso.
Nós, os citadinos, que somos pretos por fora. Olha, um congolês que apanhou a mulher em flagrante aí numa buala(1) perto da fronteira, exigiu o pagamento pela ofensa, claro. Um camarada perguntou-lhe se não ficou zangado. Ele respondeu: porquê? Isso não gasta a mulher.
E esta é a maneira de pensar do africano que tem pouco contato com a religião cristã. Nós
estamos aculturados, corrompidos, muito mais alienados.
— É por isso que não casas, Sem Medo? Porque o ciúme é a alienação?
— Hoje essa é a razão principal. Ontem pode ter sido outra. Há muitas razões para uma
atitude dessas, depende das ocasiões e das conversas. Por isso nunca ninguém é sincero. Só se
apresenta um motivo, o que deturpa totalmente a interpretação do problema. Mas chega de
falar de mim. Falemos de ti.
Ondina levantou os braços e deixou-os de novo cair.
— Dá-me um cigarro. Eu cá sou uma libertina. Poderia casar perfeitamente com o teu
libertino de Praga, que faríamos um casal perfeito...
— É mentira! Ainda há pouco dizias que ele não amava a mulher por não ser ciumento.
— Não me deixaste acabar. Faríamos um casal perfeito, mas quem falou em amar? Para
mim, o casal perfeito é aquele onde há ternura e vontade de estar por vezes com o outro. O
amor destrói os casais. Não acredito no amor. Eu só casaria com um homem como o teu

( 1 ) Buala – kimbo, sanzala, povoação.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora