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— Tens razão. Fez um esforço extraordinário. Mas ele colou-se ao meu lado e não me
lembrei do que já tinha feito antes. É um miúdo corajoso, portou-se muito bem.
— O camarada Comandante era inflexível para com ele...
— Era! Mas ele portou-se bem. Era isso o que eu queria, que no momento difícil ele
fosse capaz de fazer o seu dever.
— Reconheces que antes erraste em relação a ele? Que foste injusto?
— Lá vens tu com a mesma história! Não me chateies!
Mundo Novo não insistiu. Que homem era Sem Medo? Não o compreendia, fugia aos
seus esquemas. Um aventureiro que ama a ação, decidiu a seguir. No entanto, a conclusão não
lhe agradou totalmente. Algo faltava, algo indefinível faltava.
— Temos de conversar, camarada Comandante. Noutra altura, mais calmamente. Acho
que o que nos separa é a linguagem. Não temos a mesma linguagem.
— Há muito que deixei de acreditar nas palavras – disse Sem Medo. – Mas, se queres,
porque não discutir? Mas agora estamos demasiado perto da Base.
Sem Medo deixou-o e foi ter com o Chefe de Operações.
— Não aguento mais. Vou aproximar-me da Base, tentar ouvir qualquer coisa.
— É perigoso, Comandante.
— Farei atenção.
— Então vou consigo.
— Vamos.
Descalçaram as botas e avançaram cautelosamente, evitando pisar os ramos secos que
disparavam como armas na noite. Ainda não fumei hoje, pensou Sem Medo. O cheiro do
cigarro podia chegar até ao inimigo. Mastigou uma folha, para que o amargor lhe tirasse a
vontade de fumar. Gesto irrisório, a vontade não vinha da boca, embora se manifestasse por
um excesso de saliva.
O Chefe de Operações ia à frente, caminhando como um gato. Sem Medo era mais
pesado, fazia por vezes barulhos imperceptíveis. Tinham de caminhar a um metro de distância
um do outro, pois a noite era escura e só os pirilampos a iluminavam fugazmente. Ao fim de
meia hora, chegaram ao rio. Tinham andado cem metros.
— Vamos subir o rio – propôs Sem Medo, num sussurro.
O outro não respondeu, mas pôs-se a caminho. Ao longo do rio era mais fácil caminhar,
pois o terreno estava limpo. Mas havia pedras e era preciso explorar o sítio com o pé antes de o
assentar no solo. Fizeram assim duzentos metros, ao fim de outra meia hora.
Deitaram-se no chão, lado a lado, os corpos tocando-se. As luzes que poderiam existir
eram invisíveis, pois a Base ficava no alto duma pequena falésia que descia para o rio. Ouviam-
se vozes abafadas na Base. Havia gente. Mantiveram-se deitados uns bons quinze minutos,
descansando do esforço incrível de mover cada músculo imperceptivelmente para chegarem ali.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora