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— Nem todos, nem todos. É certo que uma pessoa que se aperfeiçoa está a pensar no
seu futuro pessoal também, está a calcular que assim poderá viver melhor. Mas há aqueles que
só pensam nisso e os outros, que pensam mais no bem do povo.
— Diz um aqui na Base, um que seja assim...
— Pode-se encontrar.
— Diz um!
— Não sei. Não os conheço bem, cheguei há pouco. Mas penso que haverá, tenho de
pensar que haverá...
Sem Medo interrompera os exercícios para um curto descanso. Tinha ouvido as últimas
frases. Sentando-se perto deles, perguntou:
— Tens de pensar que haverá, Mundo Novo? Tens de pensar?
Mundo Novo cofiou a barba fina. Hesitou instantes.
— Sim, tenho de pensar.
— Como os crentes que sentem que têm de crer em deus? Porque têm medo de deixar
de crer, de perder o amparo dessa crença que lhes dá um significado à vida, não é?
— Não é bem isso.
— É quase isso. Praticamente é o mesmo. Quando alguém afirma que tem de acreditar
no desinteresse de alguns homens, porque isso corresponde à ideia que ele tem da humanidade,
mesmo que os fatos mostrem o contrário, então que é isso? Tem-se uma ideia preconcebida do
género humano, uma ideia otimista. Por isso, recusa-se toda a realidade que contrarie essa ideia.
É o esquematismo na política. E um aspecto religioso, uma concepção religiosa da política.
Infelizmente, é a maneira de pensar de muitos revolucionários.
— Mas, camarada Comandante, não achas que há camaradas que estudam
desinteressadamente?
— Crês que haja alguma coisa que se faça, desinteressadamente na vida?
Lutamos pensou que encontrava apoio no Comandante. Sentiu coragem para proferir:
— É por isso que não estou de acordo com o Comissário, que nos obriga a ir à escola.
— Tu, Lutamos, és um burro! – disse Sem Medo. – Quem não quer estudar é um burro
e, por isso, o Comissário tem razão. Queres continuar a ser um tapado, enganado por todos...
As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de poderem pensar sobre tudo com a sua
cabeça e não com a cabeça dos outros. O homem tem de saber muito, sempre mais e mais, para
poder conquistar a sua liberdade, para saber julgar. Se não percebes as palavras que eu
pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou não? Terás de perguntar a outro.
Dependes sempre de outro, não és livre. Por isso toda a gente deve estudar, o objetivo principal
duma verdadeira Revolução é fazer toda a gente estudar. Mas aqui o camarada Mundo Novo é
um ingénuo, pois que acredita que há quem estuda só para o bem do povo. É essa cegueira,
esse idealismo, que faz cometer os maiores erros. Nada é desinteressado.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora