- Sim, para provocar porrada tribal.
- Mas com que fim?
- Isso aí... O que os homens mostram é sempre uma parte muito pequena do que têm
no coração.
- Achas portanto que os dois têm culpa?
- Camarada Teoria, os dois queriam a mesma coisa. Quando há problema tribal, não
vale a pena pensar quem é que tem a culpa. Se duma vez foi um que provocou, é porque antes
o outro tinha provocado. Quem nasceu primeiro, a galinha ou o ovo? É assim com o
tribalismo.
Teoria entrou em casa e ficou calado. A sua atitude terá sido a mais correta?
Que podia eu fazer a mais? Tentei impedi-los, fui mesmo contra todos os que ali
estavam, não tive medo de me meter. Será um sinal de progresso, de vitória sobre o medo?
Noutra altura calar-me-ia ou iria embora, para não provocar problemas. Mas foi mais forte do
que eu, não me controlava, fiz o que me passou pela cabeça. Talvez, sim, talvez tenha sido uma
vitória.
E adormeceu, sem ter fumado.
Eu, O Narrador, Sou Mundo Novo.
Assistimos neste momento a qualquer coisa de novo na Base: o Comissário ousa
afrontar o Comandante.
Para que o progresso se faça, é necessário que um elemento crie o seu contrário, o qual
entrará em contradição com ele para o negar. Sem Medo, de certa maneira, criou o Comissário,
formando-o. Mas eis que este o ultrapassa em grau de consciência. Surge logicamente uma luta
entre eles, luta que se traduz por posições práticas antagónicas. Até agora, o Comissário
limitava-se a seguir o Comandante, a imitá-lo: mesmo nos gestos, no estilo de combater, na
indiferença aparente com que enfrenta o inimigo. Hoje opôs-se publicamente ao Comandante,
levantou a voz para o criticar. Sem Medo, pasmado pela rebeldia do seu pupilo, abandonou a
casa de Comando, foi passear na noite.
O Comandante não passa, no fundo, dum diletante pequeno-burguês, com rasgos
anarquistas. Formado na escola marxista, guardou da sua classe de origem uma boa dose de
anticomunismo, o qual se revela pela recusa da igualdade proletária. Não é de bom grado que
aceita a democracia que deve reinar entre combatentes e, por vezes, tem crises agudas e súbitas
de tirania irracional. Defensor verbal do direito à revolta, adepto da contestação permanente,
abusa da autoridade logo que a contestação se faz contra ele. O caso de Vewê pôs a nu toda a
sua mentalidade de ditador. Este flagrante caso de abuso do poder levou o Comissário, que tem
uma formação ideológica bem mais clara, a tomar posição a favor da linha de massas.
Esta atitude faz-me pensar que a relação de forças no Comando vai mudar. Como diz o
Chefe de Operações, o desprezo do Comandante pela opinião dos outros membros do
Comando tem levado a erros graves, situação agravada pelo fato de o Comissário aprovar
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...