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— Esperava-te.
— Vai para o teu quarto.
— Porquê?
— Saí da Base de manhã, fiz oito horas de marcha a pé, depois não parei a preparar as
coisas. Estou rebentado, preciso de dormir. Ora! Não é essa a razão. Vai para o teu quarto.
— Fico só a ver-te dormir.
— Vai para o teu quarto.
Ela saiu, vexada. Sem Medo atirou-se, vestido, para o sítio que o corpo dela marcara, e
sentiu o seu calor. O calor que vinha da cama penetrava-o, o desejo entrou nele com violência.
Fumou para queimar o desejo. O cansaço da viagem e do trabalho intenso acabou por vencê-lo.
Mas Ondina vinha no sonho, oferecendo-se nua a ele e dizendo: «Amo o João». Sem
Medo acordava, fumava, voltava a adormecer. Ondina corria agora sobre a savana da Huíla, os
cabelos eram longos e negros, os cabelos de Leli, os braços estendidos para ele. Mas ele estava
cem metros abaixo, no fundo do precipício, e Ondina-Leli atirava-se no vazio para cair nos seus
braços. Noite interminável. Levantou-se com o Sol que raiava, os olhos pesados e a cabeça
doendo.
Ao fim da tarde, chegou Mundo Novo. Prepararam a missão em conjunto: obtiveram
mais vinte guerrilheiros; o efetivo seria de cinquenta. Pioneiros ofereceram-se e três foram
aceites para municiar os morteiros. Mobilizaram todos os homens válidos, mulheres e
pioneiros, para transportar a comida e os morteiros até à Base. A partida era para o dia seguinte
de manhã.
Sem Medo meteu Mundo Novo ao corrente dos assuntos urgentes, foi ainda apresentá-
lo no Depósito como novo responsável. Foram jantar às dez horas. Quando se sentaram à
mesa, Mundo Novo disse:
— Não tenho nenhuma experiência disto. Não sei por que me nomearam...
— Eu apoiei a tua candidatura para este lugar.
— Tu?
— Espanta-te?
— Um bocado, sim. Parece que não temos as mesmas ideias. Ou só são as palavras?
Sem Medo bebeu um trago de cerveja. Ondina era o terceiro participante no jantar, mas
não prestava atenção ao que diziam.
— Não temos as mesmas ideias – disse Sem Medo.
— Tu és o tipo do aparelho, um dos que vai instalar o Partido único e onipotente em
Angola. Eu sou o tipo que nunca poderia pertencer ao aparelho. Eu sou o tipo cujo papel
histórico termina quando ganharmos a guerra. Mas o meu objetivo é o mesmo que o teu. E sei
que, para atingir o meu objetivo, é necessária uma fase intermédia. Tipos como tu são os que
preencherão essa fase intermédia. Por isso, acho que fiz bem em apoiar o teu nome. Um dia,

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora