clandestinamente o rio Congo, de Kinshasa para Brazzaville, e recebido um treino militar de
um mês.
— É pouco – disse Sem Medo. – E este aqui é novo de mais, devia ficar a estudar ainda.
É mesmo um miúdo! Precisamos de guerrilheiros, mandam-nos miúdos sem treino. Só servem
para fazer guarda.
— Formam-se aqui – disse o Comissário.
— E entretanto? Vão causar-nos problemas. Quer-se engrossar o efetivo à toa, não se
olha à qualidade. Há outros no exterior, com suficiente experiência, mas como são primos de
tal ou tal responsável, não podem vir para a guerrilha. Os que não têm primos é que aguentam...
Mundo Novo esboçou um sorriso trocista e disse, piscando o olho ao Comissário:
— Mas, camarada Comandante, este mais miúdo é da fami1ia do camarada André. É
mesmo da família dele, parece.
— Eu sei – disse Sem Medo. – Mas é um primo em desgraça, pois o pai dele partiu a
cara ao André em Kinshasa, em 1963, quando estavam na UPA... História de medicamentos
que desapareceram. Desses assuntos entre kikongos estou bem informado, porque também
pertenço à família...
Encontravam-se na casa do Comando, lugar de reunião à tardinha, antes de ouvirem a
emissão de rádio do MPLA. O jovem aspirante a guerrilheiro, acabado de chegar, encostava-se
timidamente num canto. Percebia mal o português, falava era kikongo e francês, e a
personalidade do Comandante intimidava-o: eram vagamente parentes e tinha ouvido falar
muito dele; agora, estava pela primeira vez na sua presença. A barba farta e a cabeleira
descuidada do Comandante, a sua cabeça grande, o tronco forte, a voz firme, o olhar agudo,
tudo nele concorria para o intimidar. Sem Medo virou-se para ele.
— Qual é o teu nome de guerra?
— Não tenho.
— Bom. Temos de lhe arranjar um nome. Que propõem, camaradas?
Os guerrilheiros estudavam o rapaz. Este baixou os olhos.
— Onhoká, a cobra – propôs Ekuikui.
— Deixa lá o teu umbundo – cortou Sem Medo. – Ou lhe dás um nome na língua dele,
ou em português, que é de todos. Mas não na tua... Aí começa o imperialismo umbundo! Aliás,
não me dá ideia nenhuma duma cobra.
O batismo dum guerrilheiro era sempre um tema de fartas discussões. As propostas
saíam de todos os lados. Os guerrilheiros obrigaram-no a pôr-se no meio da casa, para lhe
estudarem as características e encontrarem o nome conveniente. As gargalhadas misturavam-se
às palavras. Cada um contava uma história que conhecesse sobre ele, até que uma ideia clara se
formasse sobre o novo recruta. Os outros sete recém-chegados esperavam a sua vez. Milagre
propôs «Avança» e logo Muatiânvua disse que não podia, ele tinha era cara de quem recua.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...