— Estás a treinar esses jovens. Que ganhas pessoalmente com isso?
Sem Medo acendeu um cigarro, estirou-se sobre o capim.
— Podia dizer-te que tenho pena deles, tão mal treinados e arriscando-se a morrer logo
no primeiro combate. Em parte, até pode ser verdade. Também poderia dizer-te que é para
formar mais guerrilheiros, para a luta avançar. É exato! Mas para que quero eu que a luta
avance? Não é mesmo para viver melhor numa Angola independente? Portanto, isto que faço
tem um fim interessado, o que é normal e humano. Poderia também dizer-te que é para dar
uma bofetada nos civis de Dolisie, que nos enviam homens sem treino suficiente. Também
pode ser verdade. Então? Diz-me lá onde está o desinteresse?
Mundo Novo pesava as palavras. Os recrutas iam-se aproximando, ao verem o
Comandante fumar. Sem Medo mandou-os continuar os exercícios e observava-os.
— Mas não acreditas, Comandante, que haverá homens totalmente desinteressados?
— Jesus Cristo?... Acho que sim, existem alguns raros. Mas não o são sempre. O
Comissário, por exemplo, é em certa medida um desinteressado. Penso que pode corresponder,
nalguns eleitos, a um período determinado. Mas é temporário. Ninguém é perpetuamente
desinteressado.
— Nem Lenine?
— Lenine! Eu não conheci Lenine, como poderei falar dele? Fala-me dos que conheço,
dos homens que conheci. Devo dizer-te que nunca vi ninguém totalmente e permanentemente
desinteressado. E não atires com os grandes homens na discussão, só para meter medo aos
outros e dar força aos teus argumentos. Isso é truque de político!
— Eu acredito que haja homens para quem só conta o bem dos outros. Che Guevara,
Henda, para só dar esses exemplos. E muitos outros, anónimos. Quem não acredita nisso não
tem confiança na generosidade humana, na capacidade de sacrifício da humanidade. É
pessimista...
— E, portanto, incapaz de lutar coerentemente, não é isso? — disse Sem Medo.
Mundo Novo olhou-o de frente. Baixou a cabeça, murmurou:
— É isso.
Logo os olhos de Mundo Novo se iluminaram e continuou, mais firme:
— Para se lutar duma maneira coerente, é necessário um mínimo de otimismo, de
confiança nos homens. Estou a pensar em mim e tu estás a pensar em ti, Comandante! Eu
tenho confiança. Se tu não fores otimista, não poderás combater.
— Que faço eu?
— Não nego que combates, não. Mas podes abandonar, se as dificuldades forem
grandes, podes cansar-te mais facilmente que outro que seja mais otimista. É preciso ter uma fé
profunda, para se poder suportar sempre tudo.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...