pag 48

72 3 0
                                    


— Estás a treinar esses jovens. Que ganhas pessoalmente com isso?
Sem Medo acendeu um cigarro, estirou-se sobre o capim.
— Podia dizer-te que tenho pena deles, tão mal treinados e arriscando-se a morrer logo
no primeiro combate. Em parte, até pode ser verdade. Também poderia dizer-te que é para
formar mais guerrilheiros, para a luta avançar. É exato! Mas para que quero eu que a luta
avance? Não é mesmo para viver melhor numa Angola independente? Portanto, isto que faço
tem um fim interessado, o que é normal e humano. Poderia também dizer-te que é para dar
uma bofetada nos civis de Dolisie, que nos enviam homens sem treino suficiente. Também
pode ser verdade. Então? Diz-me lá onde está o desinteresse?
Mundo Novo pesava as palavras. Os recrutas iam-se aproximando, ao verem o
Comandante fumar. Sem Medo mandou-os continuar os exercícios e observava-os.
— Mas não acreditas, Comandante, que haverá homens totalmente desinteressados?
— Jesus Cristo?... Acho que sim, existem alguns raros. Mas não o são sempre. O
Comissário, por exemplo, é em certa medida um desinteressado. Penso que pode corresponder,
nalguns eleitos, a um período determinado. Mas é temporário. Ninguém é perpetuamente
desinteressado.
— Nem Lenine?
— Lenine! Eu não conheci Lenine, como poderei falar dele? Fala-me dos que conheço,
dos homens que conheci. Devo dizer-te que nunca vi ninguém totalmente e permanentemente
desinteressado. E não atires com os grandes homens na discussão, só para meter medo aos
outros e dar força aos teus argumentos. Isso é truque de político!
— Eu acredito que haja homens para quem só conta o bem dos outros. Che Guevara,
Henda, para só dar esses exemplos. E muitos outros, anónimos. Quem não acredita nisso não
tem confiança na generosidade humana, na capacidade de sacrifício da humanidade. É
pessimista...
— E, portanto, incapaz de lutar coerentemente, não é isso? — disse Sem Medo.
Mundo Novo olhou-o de frente. Baixou a cabeça, murmurou:
— É isso.
Logo os olhos de Mundo Novo se iluminaram e continuou, mais firme:
— Para se lutar duma maneira coerente, é necessário um mínimo de otimismo, de
confiança nos homens. Estou a pensar em mim e tu estás a pensar em ti, Comandante! Eu
tenho confiança. Se tu não fores otimista, não poderás combater.
— Que faço eu?
— Não nego que combates, não. Mas podes abandonar, se as dificuldades forem
grandes, podes cansar-te mais facilmente que outro que seja mais otimista. É preciso ter uma fé
profunda, para se poder suportar sempre tudo.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora