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continua numa atitude servil de cão batido. O Comissário, momentos depois, censurou-se por
se congratular com o que se passava: para se absolver, acabou com a discussão apressadamente.
— Bem, eu vou então... O que não me desagrada, aliás. Só há aqui comida para três dias,
desde que arranje alguma coisa, forço o André a enviar um grupo de reabastecimento. Parto
amanhã, então. Que outros assuntos há a resolver lá? O nosso efetivo agora é de trinta
guerrilheiros, tem de se prever um maior orçamento mensal. Tem de se arranjar um novo
enfermeiro, para substituir por uns dias o Pangu-Akitina, que deve ir a Ponta Negra tratar da
vista...
— De acordo, de acordo – cortou Sem Medo. – Não metralhes mais, pareces uma
mulher que conheci que disparava duzentas palavras por minuto. És um Jesus Cristo, tu e o teu
conceito da honra: não queres que Judas seja castigado à tua frente, embora sabendo que ele te
denunciou com o seu beijo. Não vale a pena, não insisto mais.
O Chefe de Operações não compreendeu, mas o Comissário percebeu: Sem Medo
tinha-lhe lido integralmente o pensamento e, magnânimo, não lhe queria ferir mais os
escrúpulos.
O Comissário olhou Sem Medo com espanto, como quem olha um feiticeiro, e o
Comandante sorriu:
— Não é por acaso que tenho 35 anos, miúdo!
O Comissário partiu de manhã com um pequeno grupo, do qual fazia parte Ingratidão
do Tuga. Depois da partida do grupo, a maior parte dos guerrilheiros foi ocupar a sala que se
encontrava no centro da Base e que servia de escola. Três combatentes saíram em patrulha,
outros ocupavam-se da cozinha, alguns não faziam nada, arranjando pretextos para não
estudarem.
O Comandante dirigiu-se com o grupo de novos recrutas para uma clareira, obrigando-
os a fazerem exercícios e explicando-lhes os rudimentos da guerrilha. O Chefe de Operações
foi caçar com uma 22 longo. Mundo Novo, que tinha estudado na Europa, por vezes ajudava
Teoria. Mas nesse dia estava livre, por isso acompanhou o grupo de novatos. Deitado no
capim, onde o raro sol do Mayombe batia durante duas horas, ouvia distraidamente as
explicações de Sem Medo, enquanto limpava a arma.
Lutamos já passara uma vez em direção ao rio e regressara para a Base. Voltou a passar
para o rio, observou um pouco o grupo, e acabou por sentar-se ao lado de Mundo Novo.
— Vai para a escola!
— Oh! Tenho trabalho – disse Lutamos.
— Que tens a fazer?
— Lavar roupa...
Mundo Novo sorriu. Lutamos era habitual nas fugas à escola, especialmente quando o
Comissário não estava presente. Já tinha sido castigado por não estudar, mas não se modificava.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora