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sua bastaria para o excitar. Ele entrara no duelo, pela primeira vez, fora antes de o Comissário a
conhecer.
Ela chegara na véspera a Dolisie. Ele vinha de Kimongo, onde estava anteriormente a
Base. Foram apresentados pelo Kassule, que hoje estava no Leste. Ela enfrentara o olhar
apreciador que ele lhe deitara, convidara-o para tomar um café no seu quarto. Ela sentou-se na
cama, ele ficou de pé, bebendo o café. A saia curtinha subira e mostrava as coxas. Ele mirou-as
descaradamente e fez o olhar subir lentamente do joelho à ponta da cueca branca que se
adivinhava, deixou-o aí longamente, e depois continuou a ascensão até aos olhos que
brilhavam, desafiadores, olhos de onça. Ela susteve o olhar, esperando o resultado do exame.
Ele voltou a baixar os olhos, lentamente, até ao pescoço alto e viu a garganta dela contrair-se,
prosseguiu até aos seios pequenos e duros, o ventre magro, chegou de novo às coxas redondas.
Daí, o olhar de Sem Medo fixou-se na chávena. Ela esperava a reação. Ele não mostrou
perturbação, disso tinha a certeza.
A conversa prosseguiu, agora ele sentado no banco à frente dela. Falaram de Luanda,
das pessoas que ele conhecera e que ela conhecia. Ondina procurava o duelo, não deixava de o
fitar de frente, uma luzinha brilhando no fundo do olho. Sem Medo por vezes perdia-se na
contemplação das coxas, era o que ela tinha de mais excitante, lembravam-lhe outras, só que
estas eram mais escuras. O olhar dela era então discretamente jubiloso, mas ele não piscava os
olhos ou contraía os lábios ou engolia saliva. Mantinha o porte indiferente do gigante do
Mayombe, e o júbilo esbatia-se suavemente no olhar dela, para ser vencido pelo tom ambíguo
da perplexidade.
Sem Medo partiu e nunca mais permitiu outro desafio, embora ela o provocasse, mesmo
depois de estar noiva do Comissário.
Há mulheres para quem esse duelo é apenas um capricho, uma necessidade fútil de
medir forças, e que não vai mais além. Ondina não. Sem Medo sentira que, nela, o que parecia
começar como jogo, era afinal uma necessidade imperiosa de se julgar e se refazer a pele que
caía durante o duelo. O que começara como jogo, no fim já era convite mudo. O que o fizera
desinteressar de Ondina fora a certeza de que ela lhe teria sido uma presa fácil, demasiado fácil,
nessa tarde em que se conheceram. Não que ele só quisesse combates difíceis, não. Mas,
quando se tratava duma menina bem educada, com maneiras estudadas de citadina que nasceu
no muceque e que quer chegar a viver na Baixa, então essa tinha de ser natural e direta, ou
então difícil. Ou ela conduzia o jogo ou então não provocava um duelo para suplicar em
seguida. Sem Medo apreciava a dignidade da mulher que é capaz de lutar pelo que deseja ou
que é capaz de retardar a captura, só para aumentar o prazer da captura. Ondina deixara
aperceber uma natureza equívoca, eis o que fizera desinteressar Sem Medo.
Estava o Comandante nestas observações, quando Vewê entrou na casa e se sentou no
catre de Sem Medo. Este reparou que ele não pedira licença, era uma familiaridade rara, inédita
em Vewê. O gesto agradou-lhe.
— Já não sou um papão?

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora