sempre Sem Medo. Mas agora talvez vejamos a desejada união entre o Comissário e o Chefe de
Operações fazer-se contra o Comandante, defensor do niilismo pequeno-burguês. Não há que
lamentar divisões entre os responsáveis: elas são uma necessidade histórica.
Porquê Sem Medo perdeu a cabeça? Falei com Vewê, soube da aposta que tinham feito,
das palavras murmuradas pelo Comandante. Este fez uma ideia superior de Vewê, que o ousava
desafiar, e ficou desiludido, ao verificar que a ousadia de Vewê era fruto apenas duma aposta.
Reagiu pessoalmente, subjetivamente, ofendido porque a ideia que fizera de Vewê era falsa.
Não foi Vewê que o desiludiu, foi ele que se iludiu sobre Vewê.
Como poderemos fazer confiança num homem tão pouco objetivo?
A Revolução é feita pelas massas populares, única entidade com capacidade para a
dirigir, não por indivíduos como Sem Medo.
O futuro ver-me-á, pois, apoiar os elementos proletários contra este intelectual que, à
força de arriscar a vida por razões subjetivas, subiu a Comandante. A guerra está declarada.
No dia seguinte, esperaram impacientemente o meio-dia. Nada viera do exterior. A
comida só daria para esse dia, depois teriam de voltar ao regime de comunas assadas.
O Comandante acordara mudo e o seu olhar fixava-se obstinadamente no relógio. Não
saíra da casa do Comando, não fora treinar os novos recrutas. Depois do almoço, a esperança
de ver chegar um grupo de Dolisie esvaiu-se.
— Esse André mais uma vez me aldrabou – disse o Comissário.
— Que esperavas? – respondeu Sem Medo.
Levantou-se, pegou na AKA, chamou Lutamos e Muatiânvua.
— Vamos fazer uma patrulha.
Os três guerrilheiros saíram da Base, a passo rápido, o Comandante à frente. Andaram
ininterruptamente até às três horas, inclinando-se para subir as montanhas a pique que se
elevavam sempre à sua frente. Chegados a um regato, Sem Medo parou e bebeu água. Os
outros imitaram-no. Lutamos foi observar um caminho que passava ali perto e que estava por
eles minado. Muatiânvua deitou-se a fumar. Sem Medo estava taciturno, como acordara nesse
dia. Lutamos voltou ao grupo, sem nada de anormal a assinalar.
— Nem caça se encontra – disse Muatiânvua. – Até parece que a caça combinou com o
André, para nos deixar morrer de fome.
— Se a gente fosse unido – disse Lutamos —, a gente dava mas é um golpe de Estado,
tirava o André de responsável. Isso é que era preciso. Mas a gente do maquis não está unido!
E olhava o Comandante, a estudar a reação. Sem Medo manteve-se calado. Muatiânvua
trocou uma mirada entendida com Lutamos e acrescentou:
— Se houvesse um Comando unido, ele podia impor certas coisas ao André...
O Comandante acendeu outro cigarro. Contemplava as copas das árvores que
percorriam os ares, desdobrando-se, deixando um ou outro fragmento azul de céu. Fingiu não
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...