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— Não, camarada Comissário, não posso estar de acordo. Isso é um compromisso, é
mesmo um oportunismo. Há coisas rígidas, como a disciplina...
— O problema não é a disciplina. É o castigo à indisciplina. Quando a situação mudar,
criticar-se-ão os que neste momento tomaram atitudes erradas. Mas não agora. Tudo depende
das circunstâncias.
— Há coisas que devem estar acima das circunstâncias. Não se pode entrar numa casa
sem se assistir a uma discussão. Porque a minha comuna é mais pequena que a tua, porque o
intendente te deu uma comuna a mais, etc., etc. Isto não pode ser. Se algo de grave se passar, a
responsabilidade será sua.
— Nunca fugi à responsabilidade, camarada Mundo Novo, não precisa de me lembrar
isso. E estou disposto a defender a minha opinião em qualquer altura.
— Aí será demasiado tarde, pois o mal já se terá passado. Os problemas disciplinares
competem-lhe a si, por isso deve decidir sobre eles com toda a autoridade e sem pedir a opinião
de ninguém.
— Obrigado pelo conselho, mas conheço o meu trabalho. E peço a opinião a quem
quiser... Até sou obrigado a ouvir as opiniões que me querem impor, como a sua...
O Comissário virou-lhe as costas e afastou-se para a Base. Mundo Novo apertou os
punhos para não gritar. Teleguiado murmurou entre dentes: O Comandante apanhou-te sem o
Das Operações, já te virou ao contrário e te meteu no bolso.
O Comissário foi diretamente à casa do Comando. Estavam lá Teoria e Sem Medo. O
Comissário deitou-se no catre, tentando acalmar-se.
— Não ouviste a declaração que deu agora na Rádio? – perguntou Sem Medo. – Um
guerrilheiro qualquer foi apanhado e prestou declarações. Declarações contra nós, claro! Pode
ser mentira, mas também pode ser verdade.
— Não ouvi – disse o Comissário.
— Dizem que foi no Moxico.
— É tramado um gajo ser preso! – disse Teoria. – Ficar isolado, contra todos. Toda a
cara que vires é um inimigo e tu estás só, no meio deles. É duro, não há dúvida que é duro. Que
fazer em tal situação? Há malta que resiste, outros falam. Tenho a impressão que falam mais
por causa do isolamento moral, do que propriamente pelo sofrimento físico.
— Depende dos indivíduos – disse Sem Medo. – Os dois fatores contam, nuns
indivíduos mais um fator que outro.
— E depois, na prisão... já com interrogatórios terminados, anos lá dentro, face a face
consigo mesmo. É de endoidecer! Compreendo que haja tipos que não aguentem...
— Parece-me que há três tipos de indivíduos perante a prisão – disse Sem Medo. – Há
em primeiro lugar os que se conformam; são os desesperados, que se deixam destruir, que se
queixam constantemente mas que aceitam, no fundo, a desgraça. Por isso se queixam.
Formalmente, aparentemente, são os mais inconformistas, porque gritam, protestam, choram.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora