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ROGÉRIO

Passei o dia ontem com a cabeça doendo pra caralho. Tomei remédio, tomei Coca-Cola e mais um remédio que a Rafaela falou pro Renan me dar e nada. Fiquei fodido, vomitando o dia inteiro.

Hoje não foi muito diferente não, e pra melhorar, ainda peguei a porra de um resfriado ou uma alergia, sei lá. Não paro de espirrar nessa porra.

Por volta de umas 15h, o Gordão me chamou no rádio e eu subi. Ao chegar na sala, estavam ele, o Fidel e o Merrão, que é o de frente lá da 2P, um dos caras mais respeitados do comando.

"Fudeu!", foi a única coisa que eu consegui pensar no momento em que a porta fechou atrás de mim. Nada me tirava da cabeça que as cenas do pesadelo começariam aqui, mas respirei fundo e segui, po. Já disse: corpo fechado.

— Fala comigo. — falei enquanto cumprimentava todos eles, tentando fingir tranquilidade, mas os cara que é do crime sabe que identificar o cheiro de medo há quilômetros de distância.

— Foi esse aí que disse que ia matar um dos meus? — Merrão falou me medindo de cima a baixo.

— Qual foi da tua postura de ontem, Kid? — Gordão começou a falar.

— Perdi a linha, patrão. Peço perdão aí pra vocês.

— Vem com essa não, meu bom. — dessa vez, quem falou foi o Fidel, que tava com a cara até vermelha. — Tu tem noção da tua responsabilidade dentro do nosso sistema? Tem noção da posição que tu deveria ocupar diante da comunidade e principalmente dentro do nosso exército?

— Tenho, patrão.

— Não parece! Como tu me faz uma palhaçada dessa, Kid? Bagulho extremamente fora de contexto, bagulho feio, tá ligado? Diante da comunidade toda. Fez os moleque sair do posto pra te buscar. Alucinado. Tu é cracudo agora?

— Não.

— Tá viciado nessa porra? Quer perder posto pra fumar, cheirar e ficar igual a um cabaço em portão de mulher de madrugada? — Gordão falou agora. — Tu pegou o respeito que os moleques tem por você, que a favela tem por você, que nós temos por você e enfiou no cu agindo daquela maneira. Eu tive que sair do meu lazer pra te buscar, filho da puta.

— Peço perdão, isso não vai mais se repetir. — eu não tinha o que falar, minha cara tava quente e nem era no sentido figurado não. Tava quente de ódio, de vergonha, de medo.

— Fizemos uma reunião aqui e trouxemos o Merrão também, pra ele ficar a par do negócio. Afinal, o Novin é um dos homens mais bem recomendado da tropa dele. — Fidel falava.

— Tá desde os 15 anos com nós na caminhada, nunca deu trabalho com bagulho nenhum. Então, quando me passaram a visão, não entendi porra nenhuma. Ai chego aqui e me deparo com um dos braços dos meus parceiros, criando história com um moleque. — eu abri a boca pra falar, mas ele não deixou. — E não tem esse bagulho de Alandelon, não tem mandamento nenhum que fale sobre ex mulher de irmão de firma. Acabou é bola pra frente! Tu tem quantos anos?

— 32. — respondi baixo.

— Puta que pariu, Fidel. — Merrão falou rindo. — Por isso que vocês pediram ajuda na tropa, né? Homem feito já no bagulho, causando tumulto por causa de boceta. Como se na vida de bandido faltasse isso... Essa mina deve ser muito gostosa mermo.

— Respeita minha afilhada, Merrão. — Fidel falou sem esboçar sorriso.

— Cês também não tão aqui pra fazer Kid de bola não, porra. Vamo resolver esse bagulho. — Gordão entrou na minha defesa, pelo menos isso.

— Por mim, é o bagulho que nós já tinha decidido mermo, po. Se não, vai ser essa pombarolagem sempre. — Fidel falou. — E eu já tinha dado o papo que não era pra emocionar de novo.

— Kid, é o seguinte: tu tá proibido de ficar na rua da casa da Manuela. A responsabilidade do Novo vai ser só do Renan, tu não pode trocar olhar com o cara, tá me entendendo? — Gordão falou.

— Tenho dois filhos com Manuela, Gordão. Vou ficar sem contato cas criança? — meti um migué pra ver de qual era.

— Não. Tu pode buscar e levar seus filhos a hora que tu quiser, e ela também né? Mas o bagulho que eu tô falando, você tá me entendendo que tu não é nenhum burro não. Bagulho é não olhar pra ela, não tocar no nome dela, não tumultuar a vida da mina. E parar de encher o cu de droga, a não ser que você queira perder o posto. Ai é contigo!

— Quero não, paizão. Lutei pra caralho pra chegar até aqui, po. Vou honrar o nome da firma sempre.

— Acho bom! Tô dando meu nome aqui mais uma vez por você... — ele tava muito puto. — Se fosse pelos cara, tu entrava na madeira e ainda perdia o cargo. É briga de cachorro grande nessa porra, tu tá ligado?

— Bagulho da Manuela e do Novo, tu não pode se meter, tá entendendo bem essa parte? — Fidel chegou mais perto. — Se tu entender isso, to ligado que o resto flui bacana, porque você é inteligente. Não vai ter terceira chance. Vacilou, caiu.

— Pode ir pros teus corres. — Gordão falou me dispensando e eu logo meti o pé, falei mais nada. Cara quente, cheio de ódio no coração, querendo descontar essa porra no primeiro que aparecesse na minha frente, descarregar a pistola bem na cara.

— Até eu ia ficar maluco, po. Perder a mãe do meu filho pra um moleque 13 anos mais novo que eu. — ainda ouvi o Merrão debochando. Filho da puta.

Pra melhorar o dia, e toda a situação que tava fodida. Tô descendo de moto e o carro da Manuela passa por mim, indo em sentido ao Fidel.

META
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