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Quando eu entrei pro movimento, foi sim na intenção de ajudar lá em casa, mas conforme o tempo foi passando, a galera foi me conhecendo e sabendo de quem eu era filho, nisso teve uma vez que um dos grandes me chamou, cara acima do Merrão.

Fui com o cu na mão, né? Pensando que tinha feito uma parada errada e tal, mas não, a reunião era pra me falar a respeito de uma dívida que meu pai tinha.

De começo, eu não tava ligado a respeito do que era, achei que era bagulho que eu ia pagar e acabou. Mas não, eu trabalhava pra eles e meu pai não podia trabalhar fora da favela, porque ele podia não voltar, fugir. Então, o dinheiro que eu recebia ia pro comando e a outra metade, lá pra casa, dava nas mãos dele.

Com o tempo, a dívida encerrou, mas o dinheiro da ajuda, continuou lá. Ele já podia ir trabalhar fora da favela, mas ficou por aqui, preferiu continuar, afinal, bagulho tava gostosin pra ele, né? Toda semana pingando um na mão dele, po. E assim, caiu no esquecimento.

Nunca falei pra minha mãe sobre a dívida, ainda mais sabendo que é dívida de droga, meu pai tava cheirando pó adoidado, por isso que os bagulho lá em casa tava sempre apertado e não era eu quem ia terminar de foder tudo. Mas porra, tudo nessa vida tem limite, meu pai todo sujo no bagulho, querendo dar uma de bom moço, po. Velho maluco.

Sem contar que ainda tem a história da dívida anterior, da história da ameaça de morte, onde meu tio foi no lugar dele. Merrão nunca me deu o plá correto, mas parece que o bagulho foi feio, negócio de mulher, com o de frente de outro morro. Meu tio foi de bucha, o ódio do homem era tão grande, que nem desculpa ele aceitou, passou meu tio e se meu pai cruzasse a linha, rodava também. Nunca soube o nome, tá ligado? Mas o cara também era respeitado.

Meu pai e minha mãe discutiram mó tempão depois que eu dei o papo da dívida. Com certeza, meu pai vai me odiar pro meu resto da vida dele, mas eu não tenho mais que segurar problema que não é meu, tá ligado?

Apesar de toda essa briga de cedo, o resto do dia foi maneiro com a família. Meu pai ficou o dia todo fora, graças a Deus. Tava fim de ficar batendo de frente com ele mermo não.

— Manuela reagiu a nossa foto no status. — Geovana falou. — Vou cobrar que ela não veio aqui. Saudade da minha cunhada.

— Larga minha mulher, Geo. Mandada! — dei risada. Acho que não comentei, mas minha irmã é lésbica e sempre que posso, gasto a onda que ela vai roubar minha mulher, porque já rolou na adolescência.

Por volta das 17h, alguém me chamou no portão e eu já sabia quem era, e o que queria.

— Eu já to avisando, essa é a última vez que você aparece aqui no portão. — minha mãe chegou primeiro que eu, falando com o Merrão.

— Com todo respeito, Maria Helena... — ele nem se criou pro lado dela não.

Passei por ela e fui na direção dele.

— Bora ali tomar uma, pra nós trocar a ideia. — acatei o papo e fui.

Atravessamos a rua, descemos o beco e paramos no Bira. Não tava muito cheio pra um domingo, tinha uma galera maneira, mas nada demais não.

Ficamos sentado numa mesa bem na calçada, olhando o movimento, enquanto tomávamos uma cerveja. Merrão foi meu professor na vida do crime, tá ligado? Devo total respeito à ele, é como se fosse um pai.

— Tu tem certeza que vai pular fora, Junin?

— Tenho, paizão. Eu demorei muito pra tomar essa decisão, tá ligado?

— Eu sei como tu é, achei mermo que tu tava indo na onda da Patrícia, mas conversei com a molecada lá e ela não tem esse histórico, né?

— Pô, não posso mentir que ela é um dos principais motivos desse bagulho, mas foi por mim. Tá ligado? Quero passar mais tempo com minha avó, não quero mais passar sufoco entocado em mata, não quero ter que matar mais ninguém e tá ligado, não quero morrer. Não agora...

— A Patrícia te laçou, né? — fiz que sim com a cabeça. — Ela é filha do falecido Domingão, né?

— É sim.

— Braba igual ao pai. — bebeu um gole da cerveja. — Teu pai sabe disso?

— Não. Por quê?

— Tá ligado que teu tio morreu no lugar dele? — concordei. — Domingão que matou.

— Caô, Merrão. Conta esse bagulho direito aí, na moral.

— Eu não lembro bem não, mas Domingão e teu pai pegava a merma mulher. Teu pai saia daqui pra ir lá, e parece que quando Domingão descobriu, deu essa merda ai. Ele era possessivo pra caralho, tudo que era dele, ninguém tocava, tanto que essa Manuela ai, ninguém no morro viu ela crescer e se ele fosse vivo, tu nem namorava com ela, a mãe dela vivia quase em cárcere. — eu tava assustado com a ideia dele. — Tua mulher tem irmã?

— Não tenho certeza não, mas tem uma mina que ela não gosta lá no morro, que já ouvi os moleque falando que é filha desse cara também.

— Pois é, também pode ser filha do teu pai. Se ela for mais velha que tu. Mas ó, não dá esse papo pra tua mãe não, hein. Sei nem porque to te falando isso... Sabe como é bandido, né? Sempre tem outra além da fiel.

— Tá ligado. — falei breve. — Por isso que não sirvo pra ser bandido. — ele riu.

— Então, eu vou te liberar dessa função. Teu coração é muito bom, tá ligado? Você tem todas as qualidades que nós precisa pra comandar uma tropa, tanto que já fez missão a beça e nunca foi pego. Mas já que é tua vontade...

— Pô paizão, te agradeço muito. — fizemos um toque de mão. — Vou ser sempre grato por tudo que nos passou aí nesses morro, todas as missão, os sufoco que tu me tirou. Tu é foda! Te respeito pra caralho.

— Agora, Maria Helena vai parar de me odiar. — falou rindo.

— E qual é a ideia tua cá minha mãe? Ela não odeia ninguém, po. Só tu. — falei rindo.

— Ela nunca te contou? — neguei com a cabeça.

— E nem vai contar, po. Ela não fala sobre o passado nela.

— Tá ai, então... Fiz parte do passado dela. — riu e pediu mais um litrão.

POR ESSA, VOCÊS NÃO ESPERAVAM NÉ?
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