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1 MÊS DEPOIS

NOVINHO

Não dá pra dizer que a vida mudou, tá ligado? Não é fácil, não é como tu pedir demissão de uma emprego formal.

Tô tentando falar com o Merrão há dias, mas ele tá sempre enrolando, sempre tem um compromisso e deixa pra depois. Acho que ele tá ligado de qual é.

Já falei com o Renan, com o Gordão e com o Fidel. O papo dos três é o mesmo, que eu sou atividade, cabeça, seriedade e sem afobação, que não podem ter essa baixa na tropa e que só me dão a condição da saída, com o aval do Merrão. Eu tô fodido.

Já sabia que ia ser uma novela, mas não sabia que eles iam me atrasar tanto. Só consegui o desenrolo da escola, que por sinal já começou com prova, também entrei tardão no bagulho. Queria o quê? Atividade né, terminar logo pra ver qual é.

Sorte a minha ter a minha preta, que me fortaleceu grandão, não basta a correria dela com obra, mercadoria, as crianças, foto de loja, ela ainda consegue ficar até de madrugada me ensinando os bagulho de química e física que eu não entendo.

Até trouxe o Esqueleto pra escola também, tá ligado? Moleque é purão, merece passar por esses bagulho que nós passa não, po.

To querendo ir na minha mãe esse final de semana, mas sem dormir, só ir lá e contar das paradas, tá ligado? Quero tumulto com meu pai não. E nem quero levar Manuela. Só que no sábado, ela tem uma festa na Barra, tá me tonteando a beça pra ir e eu tô cheio de receio. Eu sou preto, favelado, nunca frequentei essas paradas, né muito meu tipo não.

Saí da aula hoje às 22h, peguei um lanchin na Casa das Delícias, liguei pra minha preta pra saber se eles queriam alguma coisa e nada, celular dando desligado.

Como não é muito longe, dei um voo de moto lá e não tinha ninguém. Sem carro, tudo fechado. Estiquei até a minha sogra e tudo escuro também, já comecei a estranhar.

Fui devagar andando pelos becos próximos, até me lembrar da loja, então, desci e quando cheguei lá, todo mundo numa função. As crianças correndo no salão vazio, Manuela toda suja de tinta, meus sogros também, mó loucura.

— Ninguém me chamou pra festa, né? — falei entrando e deixando a mochila num canto qualquer.

— Já pega uma função aí e vem, meu filho. Manuela tá virada... — minha sogra falou.

— Qual foi, Manuela? Qual foi? — ela me olhou com cara de quem queria chorar e eu fui na direção dela. — Solta a voz, Manuela.

— Eu odeio trabalhar com gente sem compromisso. Os caras da pintura fizeram uma merda, não ficou nada do jeito que eu queria. Sorte que meu padrasto já foi pintor... — ela falou igual a uma metralhadora.

— Calma, respira. Dá um beijinho aqui. — ela sorriu e me deu um selinho. — Vai dar tudo certo, po. Tá geral aqui num tá? Vamo fazer acontecer. Confia.

Tirei minha blusa, joguei em cima da mochila e antes de jogar o celular também, acionei o Tonzin e o Esqueleto.

Os caras não demoraram nada pra chegar. Todo mundo pegou junto no bagulho. Não sei há quanto tempo eles estavam lá, mas acredito que nossa ajuda tenha vindo na hora certa. 00h30 já estávamos terminando de limpar pra meter o pé.

— Deixa as crianças lá em casa, filha. Dorme até mais tarde amanhã, descansa, se não você vai pifar. — minha sogra falava com Manuela, enquanto eu abaixava as portas.

— Tua cara tá só a derrota, Manuela. — falei sério.

— Tá mesmo, filha. Amanhã eu venho receber o pessoal das mercadorias, pode ficar tranquila. — dessa vez, quem disse foi Jordão, meu sogro. — Os meninos já estão até no meu carro.

— Gente! Nada disso é responsabilidade de vocês, eu não quero dar trabalho pra ninguém. Já me ajudaram super hoje, eu não sei nem como agradecer... É injusto eu ficar de pernas pro ar, dormindo, enquanto vocês fazem o que é da minha responsabilidade. — ela tava muito estressada, falando mais rápido que o 2x do WhatsApp, só prestando muita atenção pra entender.

— Isso se chama, rede de apoio, Manu. — Angel falou. — Todo mundo que tá aqui quer te ver bem. E não é sacrifício nenhum pra nós te ajudar. Ainda mais você, que faz tudo pra todo mundo, po.

— Ela vai descansar sim, gente. Quem tá mandando hoje sou eu... — falei brincando. — Vou até desligar o celular dela, tá ligado?

— Não acho justo... — continuava teimando.

— Tu não tá em posição de achar nada, Manuela. — passei o braço em volta dos ombros dela, abraçando-a. — Vai chegar em casa, tomar banho, comer, dormir levinha e só acordar amanhã às 13h. — falei essa parte no ouvido dela e ela me empurrou, rindo.

— Eu tô falando sério com vocês, gente.

— Nós também estamos, você tá achando que é máquina, po. Vai descansar, quero saber não, Mulher-Maravilha. Beijo, Deus te abençoe e tchau. — minha sogra sabe muito, falou e nem ficou pra ouvir a resposta, saiu saindo e levou as crianças.

Saímos de lá e eu nem queria que ela fosse de carro, por mim, alguém levava pra minha sogra, sei lá e ela vinha de moto comigo, mas como o humor já não tava muito bom, deixei ela vir.

Chegou, jogou as coisas no sofá e foi tirando a roupa até chegar no banheiro. Eu peguei tudo e botei no cesto, que fica lá na área de trás. Depois disso, mandei mensagem pra ver se ainda tava aberta a lanchonete, pedi o bagulho que ela 'gosta e fui buscar.

Na volta, ela já tava mexendo nos armários da cozinha, vendo alguma coisa pra comer ou fazer, sei lá.

— Tu não para não, Manuela? Vou ter que te desligar aí... — ela me deu dedo. — Trouxe bagulho pra tu comer aqui.

— Tô sem força até pra brigar contigo e dizer que não precisava. — veio se arrastando na minha direção.

Parou na minha frente e eu a abracei, dando um beijo em sua cabeça.

— Cheirosa pra caralho. — ela virou o rosto pra cima, me olhando. — Tu fica muito gostosa estressada, querendo mandar em tudo, achando que é um robô, que pode resolver tudo sem descanso. Mas tu tem que se permitir ser cuidada também, Manuela. Tem que relaxar, tá ligado? Você é uma só, apesar dos vários jeitos. Você é uma só. — falei a última frase dando selinhos nela. — Agora vai comer e descansar.

— Eu te amo, cara. — ela sorriu, pegou o pacote e foi pro quarto, enquanto eu fiquei observando. — Você não vem?

— Vou mermo, mas tu vai descansar... — fez bico. — Tu acha que eu não te conheço.

Antes de subir, esquentei o meu lanche que já tava lá na mochila todo revirado. Quando cheguei no quarto, a gata tava amassando o dela, quase sem respirar.

— Laricuda, hein. — peguei o celular e tirei uma foto dela. — Blogueira maneirinha dessa, po. Seus seguidores vão amar.

— Isso, se aproveite do meu momento. Vai ter volta. — me deu dedo do meio.

META
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