A conversa

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Acordei com uma terrível mistura de ressaca moral e ressaca alcoolica. Demorei alguns segundos pra calcular onde estava e mais alguns pra me recuperar do susto que foi acordar na casa de Gavi. Aos poucos toda minha memória da noite foi me atingindo com força: A balada, o cara babaca, a ligação pra Gavi, a verdade, o vomito na calçada.

Olhei para o lado procurando Gavi, mas ele não estava na cama comigo. Ué?

Ainda estava cedo demais pra Gavi acordar, sai da cama e comecei a procura-lo pela casa. Rodei, rodei, o chamei e não o achei. Ele tinha saido? Olhei meu celular, mas não tinha mensagem nenhuma sua.

Eu devia mandar uma mensagem? Seria estranho? Seria certo? Se ele foi embora, eu devia ir também? Pra onde ele teve que ir tão cedo?

Antes que me paranoia avançasse mais, eu ouço a porta da frente se abrindo e Gavi entrando com três sacolas grandes na mão.

Encarei seu olho vermelho e seu rosto inchado e franzi o cenho.

-Achei que você ia acordar mais tarde- me encara surpreso.

-Gavi, você tava chorando? O que rolou? Onde você tava?- me aproximei preocupada.

Ele deixa as sacolas em cima da mesa e me puxa pros seus braços. Gavi me abraça com força e encaixa sua cabeça no vão do meu pescoço soluçando alto.

-Me desculpa, minha linda. Me desculpa por te deixar sozinha, me desculpa por duvidar de você. Eu não consigo nem te olhar pensando em tudo isso.

Retribui seu abraço apertado e me aconcheguei em seu peito.

-Me desculpa por demorar tanto pra assumir isso pra você. Eu não queria admitir isso nem pra mim, imagina pra outras pessoas.

-Eu sei, eu imagino, merda! Eu sou tão burro! Como eu nem parei pra pensar nessa possibilidade? Eu sou um idiota.

-Você não é um idiota, Gavi. Mas a gente se magoou muito nessa história.

Ele assente e me solta me encarando com pesar.

-Eu achei que você tava melhorando, depois que a gente conversou você nunca mais falou no assunto e até melhorou... começamos a comer mais fora, você sempre pedia pra pegar comida em algum lugar antes de eu te deixar em casa.

Reprimo meu lábio com tanta força que ele começa a tremer. O mais dificil já foi, mas agora eu preciso da coragem de contar tudo. Se Gavi fosse fazer parte disso, tinha que ser parte de tudo. Respirei fundo e o encarei séria.

-Eu só queria tirar essa atenção do assunto, te fazer esquecer dele. Tudo que eu comia com você eu botava pra fora na mesma hora. E tudo o que eu levava pra comer eu só pedia pra você acreditar que eu tava melhor, eu não comia, eu entregava pra algum morador de rua.

-Meu deus, Aninha.

Gavi me encara com pesar e eu sinto meus olhos lacrimejarem, odiava esse olhar, uma mistura de decepção com surpresa.

-Eu achei que tinha chegado no fundo do poço e não queria admitir pra mim mesma, queria continuar nossa fantasia de vida perfeita o máximo que conseguisse. Mas eu descobri o fundo do poço pior quando me vi sem você.

-Amor...

Agora não tinha volta, agora eu ia soltar tudo.

-Você ta certo, Gavi. Eu sou uma mentirosa. Eu menti pra você tantas vezes por essa merda de doença, a maioria você não deve nem ter noção- solucei chorosa- toda vez que eu ia te buscar e falava que já tinha almoçado era mentira. Toda a vez que eu levantava da mesa pra atender o celular ou ir no banheiro era na verdade pra vomitar. Toda a vez que você me via tomar aquela vitamina do pote vermelho, na verdade eu troquei as vitaminas por laxante. A vez que você viu minhas costas machucadas era por excesso de exercício e não por ter feito no chão um dia.

Pablo dá um passo pra traz parecendo que levou um tapa no rosto. Talvez aquilo fosse demais pra ele.

Ele me encara por alguns segundos e seu silêncio vira uma agonia pra mim.

-Pablo? Fala alguma coisa!- pedi nervosa.

-Eu... Eu to absorvendo tudo, desculpa.

O encarei receosa. Merda, era óbvio que era demais tudo aquilo, onde eu tava com a cabeça jogando tudo isso em cima dele?

-Quer que eu vá embora?- perguntei baixinho.

Gavi arregala os olhos e me segura pelos ombros.

-O que? Não! Claro que não, Aninha. Eu te disse, vamos resolver tudo isso juntos. Eu quero resolver isso e quero resolver a gente. Só to absorvendo tudo isso. Senta aqui...

Ele me puxa pro sofá e pega minha mão entre as suas fazendo carinho.

-Eu sei que você disse que queria um amor tranquilo e sei que isso é o oposto disso, mas...

-Não, Aninha. Tira isso da sua cabeça, por favor! Eu to me sentindo o cara mais otario do mundo, o jeito que eu te tratei, o que eu te falei... Você não merecia isso. Apaga tudo aquilo, por favor!

Me inclinei fazendo carinho em seu rosto. Sim, Gavi foi um babaca comigo em muitos aspectos, mas também não queria que ele se sentisse culpado por não ter percebido que eu tava doente, eu fiz de tudo pra esconder e quem nunca leu ou viveu isso não vai conseguir identificar os sinais.

Ler sobre isso! Eu tinha que pegar as coisas com a Julia.

-O que eu tinha combinado com a Julia na ligação foi que eu ia fazer o exame, pegar o resultado e se ele fosse positivo ia te contar no dia. Se ele desse negativo, eu ia procurar um psiquiatra e passar com ele antes de te contar pra ter algo sólido pra falar e...- respirei fundo- quando tudo isso aconteceu ano passado, os médicos deram alguns panfletos de conscientização e como lidar e enfim... Eu tinha pedido pra Julia achar tudo isso em espanhol pra eu te entregar.

Gavi assente com os olhos marejados.

-Eu sei- sussurra doloroso- eu acabei ligando pra Julia hoje de manhã. Não queria invadir seu espaço, eu juro, mas eu tava perdido com como lidar com tudo isso. E não queria vacilar ainda mais com você. Ela me mandou algumas coisas e me recomendou algumas coisas.

Assenti quieta. Que situação horrível e dolorosa, eu realmente voltei ao começo de tudo. Era a exata conversa que eu tive que ter com meus amigos.

Abracei meu corpo e comecei a chorar baixinho, eu precisava de uma pausa dessa conversa.

Gavi joga seus braços ao meu redor e me puxa pra seu colo fazendo carinho nas minhas costas.

-Eu não quero estar doente de novo. Não quero passar por tudo isso de novo. Não quero- desabafei chateada.

-Eu sei, minha linda. Mas isso vai passar. Tudo isso vai passar. A gente ta junto nessa, ok?

-Ok- murmurei.

Gavi se levanta pegando as sacolas e me entregando todo o tipo possível de fruta e comida saudável imaginável.

-Julia falou que você devia ter muitas opções, mas aqui não tinha tantas.

-Você saiu cedo pra comprar tudo isso?- ele assente breve.

Tudo bem. Eu finalmente começava a enxergar um fim no meio daquele caos todo.

O Jogador e a brasileira- GaviOnde histórias criam vida. Descubra agora