5 - Mattheo, 1987 (passado)

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Estava chovendo naquela sexta-feira. Gritos ecoavam por toda a casa; havia trouxas amarrados no chão do salão de reuniões, e eles esperneavam e choravam. Aquela cena estava começando a irritá-lo.

Seu pai o chamou com aquele dedo pálido. Ele se aproximou, contendo os arrepios que a presença daquele homem lhe causava. Voldemort começou a falar, mas ele não escutava. Havia uma garotinha no meio daqueles adultos, e ela estava assustada.

E então, as palavras de seu pai o acordou dos devaneios. — Mate-os, Mattheo. - ele disse. Nunca havia pedido algo assim, e o menino não queria fazer isso. Seu coração começou a acelerar no peito, bombeando mais sangue que conseguia conter. — Por que? - ele perguntou; sua voz fraquejou, mas tudo estava muito distante. O olhar dele ainda não havia se desviado da garotinha, que o encarava com dor.

— Não me questione, faça o que mandei. Mate-os. - a voz de seu pai soou, e os comensais começaram a se aproximar dele, cercando-o. Ele sabia o que seu pai queria fazer. Mostrar a ele, que estava crescendo e questionando demais, quem era o comandante.

Ele finalmente desviou o olhar da garotinha, sua cabeça estava a mil. — Não quero matar alguém, pai. - ele disse, mas sua voz não saiu tão confiante quanto queria. O homem riu, o som rouco e arranhado, e tudo o que aquele menino queria fazer era correr de lá.

— Não perguntei o que quer fazer. Mate.

O suor escorria por suas costas e têmporas, e ele procurava uma saída por entre os comensais. Talvez pudesse correr... mas era inútil, e ele sabia.

— Mattheo. - seu pai ordenou. O que aquele homem faria com ele, se ele recusasse? Mattheo suspirou, as mãos trêmulas indo para dentro do bolso do terno. Por que ele queria isso? Ele se perguntava; por que agora?    

Ele revirou as memórias, talvez algo que tenha feito durante a semana tenha aborrecido seu pai. Estava perfeito, como sempre, na execução de poções e feitiços básicos. Há dias não falava com ninguém, então não foi algo que disse. Mas... será que ele havia descoberto sobre suas idas ao jardim? O que o irritava tanto sobre ele visitar o jardim de madrugada?

Não, não foi isso. É muito fútil para ele; desperdiçar o tempo com seu sentimentalismo.

— Mattheo Riddle. Mate-os, ou os torturarei até que o faça. - a voz de seu pai o fez perceber que havia entrado em seus pensamentos muito profundamente. Ele segurou um soluço, a visão começando a se embaçar com as lágrimas.

Ele já presenciou muitos assassinatos desde seus seis anos. Agora, com oito, já percebeu o quão cruel seu pai pode ser. O quão cruel é a magia, quando usada por pessoas ruins.

Ele não pode raciocinar as palavras do pai. Em segundos, os prisioneiros passaram a gritar, uma dor invisível a seus olhos. Eles gritavam alto e dolorosamente, o eco de suas vozes retumbando em seus ouvidos. Usando o último pingo de coragem que tinha, ele enfrentou a vontade de se encolher perante tamanho sofrimento, embora seus olhos tenham se fechado por um momento.

— Mate-os. - a voz de Voldemort foi sussurrada em sua mente por Ofidioglossia - Agora.

Ele tremia por inteiro. Não quero, não quero, não quero...

Suor estava se acumulando sobre seu lábio superior; sua têmpora escorria e a camiseta grudava em sua pele por baixo do terno. Ele não sabia como ainda estava de pé.

Trêmulo, ele retirou a varinha de dentro do bolso do terno, consciente de que não deveria ter uma dessas com aquela idade, e que era uma criança do diabo. Suas pernas viraram gelatinas quando ele apontou a varinha para um dos trouxas. Sua mão, que era sua mas parecia não ser, tremia em sua linha de visão. Ele sentia todos os olhares em cima de si.

Gritos, gritos, gritos.

Eu não consigo fazer isso, não consigo fazer isso, não consigo fazer isso.

Bile subiu em sua garganta, ele iria vomitar como da primeira vez em que ouviu gritos assim. — A-Avada... - a voz saiu falha e fraca - Avada Kedavra! - ele estabilizou a voz. O trouxa em sua mira caiu para trás com a luz verde, mas ele sabia que o homem não estava morto por seus movimentos leves.

"Você precisa realmente querer proferir a maldição para que ela dê certo." - as palavras que alguém em um passado muito distante disse para ele, ecoaram em sua mente.

— Tsc... - seu pai reprova - Deplorável e inútil. Leve-o para o quarto. Amanhã, no mesmo horário.

Mãos agarraram seus braços e o empurraram para fora do cômodo, guiando-o pelas escadas e fechando a porta de seu quarto com um baque. Ele ficou estático por quarenta minutos.

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Naquela noite e nas doze seguintes, ele passou cada vez mais tempo no jardim. Cantarolava a única melodia que ele conhecia, da garota do cemitério. Ele queria se sentir melhor. Até o momento em que o sol nascia pelo horizonte, e a magia de estar sozinho e no silêncio se quebrava, dando espaço para os sussurros dos elfos, gemidos dos prisioneiros nas catacumbas e um pouco depois, os comensais que iam e vinham. Ele voltava para o quarto quando o sol nascia.

A partir daquela sexta-feira, todas as noites que se seguiram eram daquele jeito. Várias vítimas gritavam e agonizavam em dor quando ele hesitava em se movimentar. O desprezo de seu pai quando ele falhava mais uma vez.

A única diferença, é que cada vez menos ele ficava em estado de choque.

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Mãos o guiaram escada acima, para o fim de mais um dia em que ele falhou novamente. Ele se sentia exausto e drenado, só querendo ficar sozinho. Quando a porta do quarto se fechou, porém, ele não ouviu sons de passos descendo as escadas. Mattheo se virou, encarando os cabelos oleosos e o rosto carrancudo de Severus Snape.

— Por que está aqui ainda? - estava tão rouco, que parecia ter gritado por horas.

— Escute bem o que vou te dizer agora, Mattheo. - o homem diz, olhando para trás e fazendo um movimento com a varinha; o garoto entendeu que Snape havia lançado um feitiço Abaffiato. - Aquelas pessoas lá embaixo, estão sofrendo, Muito. - ele cochichou, mas manteve a expressão séria.

"Eu sei o que está sentindo. Matar alguém não é algo que uma criança... por Merlin, você só tem oito anos. - suspira e parece indignado - Mas precisa entender uma coisa. Enquanto eles estiverem aqui, sendo torturados todos os dias, como se suas vidas não valessem nada, só será mais cruel. Então amanhã, quando seu pai ordenar que mate aquele grupo... Seja egoísta e poupe a si mesmo de mais dores. Mas seja misericordioso e poupe-os de mais sofrimento, se não a rotina deles será de tortura. Para sempre." - e com isso, o homem saiu.

Suas palavras naquele dia, iluminaram a maneira do garoto de pensar. Então, no dia seguinte, quando ele foi empurrado para aquele salão, viu aquela mesma garotinha do primeiro dia; agora, tão mais magra e pálida, tão sem vida. Ele percebeu o que Snape havia dito com seus próprios olhos. Que aquelas pessoas estavam vivendo uma vida de merda, indigna.

Sendo assim, antes mesmo de seu pai dizer algo com aquela voz odiosa, ele matou cada um daqueles trouxas, mantendo seu coração infantil protegido ao pensar que estava poupando-os.

Esfregou suas mãos com força após seu pai fazê-lo se livrar dos cadáveres, a bucha arranhou e machucou sua mão. Ele não se sentia limpo o suficiente. Como se estivesse marcado para sempre, o fantasma do sangue que havia escorrido daquelas pessoas quando usou o Sectumsempra, grudou em suas mãos infantis e não saíram.

Ele sentia os resquícios das vidas das pessoas debaixo de sua unha. Sentia os calos que havia feito ao cavar as covas rasas para seus corpos, enquanto seu pai assistia. Sentia as dores musculares, que o lembravam de quão pesados eram os corpos sem vida.

Eu não sou um monstro, não sou um monstro, não sou um monstro...

Snape quem o tirou do jardim naquele dia.

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A Biografia de Mattheo RiddleOnde histórias criam vida. Descubra agora