26 - Saori, 1986 (passado)

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Quando a nēsan inspirou fundo, ela se sentiu confiante de perguntar o que estava acontecendo.

— Nada, Saori. Vaza daqui. - Naomi disse, grossa demais. Elas eram próximas, mas às vezes ela não parecia gostar muito dela. Os livros grandes que ela tinha estavam espalhados pela mesa da pequena biblioteca que havia na casa. Ela bufafa toda hora, virando e revirando os livros e fazendo anotações.

Saori não se importou, e saiu do cômodo, suas pantufas escorregando pelo chão liso de madeira. Ela abriu o fusuma de tecido; a garota sempre gostou de se sentar na frente daquela porta para observar os desenhos. Sua avó, Ayame, um dia lhe disse que os bordados em fios de ouro relatavam a história da família.

Seu pai usava um pincel para escrever no pergaminho; ela nunca entendeu como ele fazia as letras tão perfeitamente. Sempre teve dificuldade com o Hiragana.

— Otousan! - ela começou, animada para contar a novidade - Otousan, eu terminei de ler aquele livro! - Saori era apenas uma criança, sete anos. Mas seus pais, sempre muito rígidos, especialmente com os estudos, incentivam ambas as filhas a lerem livros enormes. O último que a garota leu continha mais de 900 páginas, e seu prazo final era de uma semana.

O homem de feições duras levantou o olhar, que sempre ficava escondido por trás daqueles óculos retangulares de armação fina, sua mão parando no meio do movimento. Ele apoiou o pincel no suporte, cruzando as mãos na frente do corpo, sobre a mesa. O lugar onde ele estava era um nível mais alto, assim, ele a via de cima. — Quando é o fim do prazo?

— Amanhã, mas... - ela começou, mas o homem levantou uma mão para que se calasse. Ela já sabia o que iria acontecer.

— Então você falhou. Sua irmã, quando lhe foi dado este mesmo livro para leitura, terminou em quatro dias. Você tomou seis. - ele indicou uma prateleira no canto da sala, onde o próximo livro que ela precisaria ler já estava apoiado. Ela se sentiu diminuída e insuficiente. Como eles sempre a faziam se sentir.

Ela andou até a prateleira, pegando o exemplar e segurando o fôlego com o peso das páginas. — Você é uma Nagasaki, Saori. Esforce-se.

Ela sabia que isso era uma dispensa, então saiu da sala, derrotada. Sentou-se na frente do fusuma, puxando uma almofada para se sentar sobre o tatame creme. Ele pinicava. Ela abriu o livro, segurando as lágrimas. Já tinha estado sob essa pressão de ser sempre a melhor, por que isso ainda a afetava?

Você não vai chorar, Saori.

E passou a ler.

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No jantar, sentada sobre seus calcanhares, ela observava a fluidez com que sua mãe se movia. Para alguém ocidental, Micarlla havia se adaptado muito bem às culturas orientais. Os cabelos castanhos de sua mãe estavam presos em um coque firme. A pele pálida dela realçava os lábios sempre rosados da mulher.

O pai, lógico, não jantaria com elas. Ele mal saía do escritório.

Naomi entrou na sala, segurando um grande livro em frente ao nariz. Sua mãe franziu os lábios, fazendo um gesto com a varinha para que o livro voasse até o balcão. — Okāsan! - Naomi choramingou - Haha, eu preciso terminar isso até amanhã!

Micarlla revirou os olhos, a comida voando da bancada da cozinha até a mesa baixa. — Não, não precisa Naomi. - a mãe respondeu em inglês - Seu prazo é até semana que vem, e eu sei.

A irmã de Saori revirou os olhos, bufando ao sentar-se sobre os calcanhares como ela fazia. Saori olhou para a mãe, sorrindo. — Mãe! - disse em inglês - Eu terminei o livro da semana!

Mas a mulher não foi tão carinhosa com ela como havia sido com sua irmã. Voltou seu olhar rigoroso à japonesa, que se encolheu. — Seu prazo era até amanhã, e só terminou hoje, Saori? - ralhou em japonês. A garota odiava quando sua mãe brigava com ela em japonês.

Mas sua avó havia acabado de entrar na sala, o que fez sua mãe parar com as críticas. — Olá queridas. - disse a velhinha em japonês. Ela parou ao lado de Saori, que sorria - Minha netinha!

A mulher abraçou a garotinha, apertando-a. Saori sentiu o cheiro de flores da sua avó, com saudades. Ayame havia passado toda a tarde na cidade naquele dia. — Estou faminta! - riu. Sua avó tinha os cabelos completamente brancos, usava um óculos redondo e era bem baixinha - Micarlla! O que temos para hoje?

Sua mãe sorriu, abrindo espaço para Ayame se sentar. Elas começaram a comer, a avó sempre puxando assunto com Saori. A menininha ria, respondendo feliz. Sua Obāchan era a única que sempre lhe parabenizava pelas conquistas que ela tinha, por menores qu fossem.

Embora, porém, a mente de Saori estar a todo vapor, pois ela precisava comer, se banhar, fazer as lições de caligrafia, estudar a matemática e ainda, ler pelo menos cem páginas do novo calhamaço antes de dormir.

Você é da família Nagasaki, Saori. Repetia como um mantra, seja o orgulho da família.

A família Nagasaki era uma das famílias bruxas mais respeitadas do Japão. De linhagem pura, estavam envolvidos com a política bruxa e trouxa. O pai de Saori, Katsuo, é o segundo herdeiro da fortuna Nagasaki. Seu tio, Takeshi, o primeiro. Katsuo está na corte de conselheiros do ministério da magia do país, como uma das figuras mais influentes. Linhagens inteiras de sangue-puros, sendo excepcionais nos estudos e nas artes marciais.

Você é da família Nagasaki, Saori. Seja o orgulho da família.

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À meia-noite, Saori lia quando alguém a chamou por trás a porta de seu quarto, que estava fechada. Ela deixou o livro aberto sobre a mesinha de estudos, e abriu o fusama, revelando sua avó ali. A velhinha sorria. — Obāchan! - ela sussurrou animada - O que está fazendo aqui?

A mulher entrou, sorrindo. As rugas marcando ao redor dos olhos da mulher deixava Saori contente. Ela só sorria assim quando Saori sorria e gargalhava.

— Eu vim aqui presentear minha netinha. - sussurrou como se fosse um segredo - Soube que você terminou o livro antes da data!

— Ah... é... - a japonesinha murmurou, ainda descontente graças à seu pai. A avó retirou de dentro do roupão uma sacolinha de papel com desenhos de flores e entregou para a neta. Saori abriu a embalagem, rindo ao ver um punhado de balas coloridas chacoalharem lá dentro.

— Estou muito orgulhosa de você, Saori. Tão nova, e já se esforça tanto! - a velhinha sorriu - Que tal se roubarmos um pouco dos biscoitos que sua mãe assou hoje de tarde?

A garotinha sorriu, amando a ideia. — Ela vai ficar brava, Obāchan!

Saori amava como sua avó agia como uma adolescente às vezes. Sempre fazendo coisas irresponsáveis e arrastando ela junto. A avó deu de ombros, revirando os olhos escuros como uma jabuticaba. — E daí?

Saori gargalhava quando segurou a mão estendida da avó, e elas saíram em direção à cozinha.

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A Biografia de Mattheo RiddleOnde histórias criam vida. Descubra agora