15 - Angel, 1992 (passado)

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Ela havia fugido de casa, depois de terem gritado mais uma vez sobre como ela quem deveria ter morrido no lugar de sua mãe. "Pelo menos, não teríamos mais você para aborrecer nossa vida!"

Não aguentava mais ficar lá dentro. Suas crises de ansiedade estavam piorando, e os machucados não estavam ajudando tanto assim, não como antes. A canção que cantava em ocasiões assim já não abafava sua cabeça, que girava e girava em torno de si. Que arruinava sua sanidade.

Aquela música sempre havia ajudado...

Esse ano, ela iria para seu terceiro ano em Hogwarts. Mas faltavam duas semanas para as férias acabarem, e ela já não conseguia mais ficar dentro daquele lugar. Quando ela era criança, ela tinha o mesmo sentimento sobre ficar em casa. Parece que as coisas não mudaram tanto assim.

Aos sete anos, Angel descobriu a como abrir a janela do porão. Ela era alta e estreita, mas empilhando algumas tralhas que haviam lá, ela conseguia subir tudo e alcançar a janela. Então, um dia, para tentar conter uma crise de ansiedade, Angel pulou a janela estreita e correu e correu pelas ruas da cidadezinha pequena em que morava, encontrando um cemitério. Ninguém repararia que ela havia fugido, de qualquer maneira, e já estava de noite mesmo...

A atmosfera sombria do lugar lhe causava arrepios. Ela olhava as lápides, com dor no coração. Quando for minha vez, eu provavelmente não vou ter uma dessas, ela pensava. Ou sentia inveja daqueles que já estavam ali, debaixo da terra. Tantos anos ouvindo que era indesejada, que deveria estar morta.

Isso acaba se infiltrando na cabeça em algum momento.

Ela já havia tentado tirar sua própria vida, quando tinha nove anos. Mas deu errado, e tudo o que ela teve foi uma dor imensa na barriga, por ter tomado tamanha quantidade de remédios.

Ela não queria algo que fizesse tanta bagunça, como cortar seu pescoço. Quando ela era mais nova, não alcançava as vigas do teto para amarrar uma corda, e eles não deixariam-na usar a escada. E, quando fez onze anos e foi para Hogwarts, descobriu que valia a pena, aqueles dois meses que passava sofrendo nas férias. Se significasse que ela passaria os outros dez do ano naquele internato.

Ela se sentia bem lá. Se sentia feliz.

Havia feito uma amiga em seu primeiro ano, Saori. A japonesa possuía uma irmã mais velha, que estava na Corvinal e era amiga de Harry Potter. Por isso, Saori vivia tomando as dores da irmã em relação à Draco Malfoy, da nossa casa. Era bonitinho.

Em seu primeiro ano, Angel se mostrou uma aluna excepcional. Tão bem, que Dumbledore conversou com ela, dizendo que seria melhor se ela pulasse a primeira série e fosse para a segunda de uma vez. Claro, ela se sentiu muito feliz com aquilo. Saori estava na segunda série, portanto, estudariam juntas!

Mas agora... aquelas memórias estavam distantes, enquanto ela se sentava ao lado de uma lápide, e cheirava as flores que nasciam da grama sobre a cova.

Ela leu a lápide. "Ayame N Achikita, 1910 - 1988. 'Eu gosto do cheiro das flores."

Eu também gosto do cheiro das flores, Ayame, Angel pensou, observando o pequeno jardim de flores brancas da lápide. Damas-da-noite, ela reparou. Essas flores tinham um cheiro que agradava seu nariz, esse cheiro de morte, mas ao mesmo tempo, vida. Além de tudo, elas eram tão lindas...

Quando eu morrer, se eu tiver alguém para me visitar, só quero receber damas-da-noite, pensou consigo mesma. Ela voltou o buquê para o chão de terra, entediada. Deitou-se na grama, olhando para o céu cinzento de agosto. Foi quando avistou uma coruja conhecida.

Ela se levantou em um pulo, rindo. A ave pousou em seu ombro, estendendo a perninha para que ela desamarrasse a carta. Angel pegou o papel, entregando para a coruja, cujo nome era Poule, um pouco das castanhas que havia pego em sua casa para comer de tarde.

— Pode me esperar no telhado de casa, Poule? - perguntou à ave, que piou - Não tenho nada para escrever a resposta aqui.

A ave levantou voo, sumindo rapidamente da vista de Angel. Ela abriu a carta, feliz por receber notícias de sua amiga.

"Cara Fal;
Fui buscar Naomi na casa dos Weasley essa semana, e ela não para de dizer como um dos gêmeos é lindo e etc, etc.
Nojento.
Embora eu não goste muito desse bando de Grifinórios que ela anda, é melhor que simpatizar com o Malfoy, então tudo bem.
Ansiosa para a volta às aulas? Vou para o Beco essa semana, comprar nossos materiais. Sobre sua carta da semana passada, fique tranquila, é dinheiro o suficiente para que eu compre tudo para você.
Uma pena que não possa vir junto...
Como andam suas crises de pânico? Por favor, me diga que não voltaram. Não suporto vê-la machucada, dói meu coração sempre. Se você estiver se cortando novamente, Angel, eu vou te matar.
Saudades, Nagasaki."

A garota riu da antipatia da amiga para com o Malfoy. Ela nunca havia falado com ele e, embora ele fosse meio babaca sim, os amigos de Naomi, a irmã de Saori, não eram inocentes também.

Ela se sentiu culpada, por saber que sua amiga se preocupava tanto com suas crises. É verdade que elas estavam piorando, mas não contou em muitos detalhes para Saori pois ela não entenderia.

Certa vez, Angel precisava urgentemente que sua crise de pânico se acalmasse, pois havia percebido que não estava mais sozinha em casa. Então, ela fez a única coisa que lhe veio à mente: mordeu seu braço com força.

Desde aquele dia, ela entendeu que o corpo não consegue suportar duas dores de cada vez. Crises de ansiedade ou pânico, é um tipo de dor psicológica, que ela conseguia acalmar com a dor física. Por isso ela sempre está com cicatrizes manchando os braços.

Infelizmente, e ela sabia disso, estava tudo indo longe demais. Ela havia passado a ser dependente da dor física, parecendo fazer de tudo para sempre se mutilar e se machucar cada vez mais.

Mas ela não tinha culpa disso. Era algo que ela não tinha controle.

A menina suspira, levantando-se do chão e olhando uma última vez para a lápide de Ayame N Achikita. Ela olhou ao redor, para ver se alguém estava por perto, e pegou as damas-da-noite que cresciam, correndo para fora do cemitério.

𑁍

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A Biografia de Mattheo RiddleOnde histórias criam vida. Descubra agora