20 - Hogwarts, 1996

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Meia hora depois, e todas as sementes acabaram. O cheiro de terra molhada estava impregnando o ar, ambos com as mãos e roupas sujas de terra. Ela o encara, sentindo a tristeza se apossar de seu peito inteiro.

Agora ele vai ir embora, e a magia do momento vai se quebrar também. E aí, amanhã quando ela acordar, ela vai se sentir culpada, idiota e puta por ter se deixado levar pelo momento.

Você odeia ele, Angel, diz para si, ele é o filho de um assassino. Ele é um monstro. Mas ela estava mentindo para si mesma, e sabia disso.

E ele, ele não entendia o que estava acontecendo consigo mesmo. Nunca tinha se sentido tão pesado e ao mesmo tempo, tão leve. Somente em sentir o calor da garota ao seu lado já fazia com que ele perdesse toda a sanidade, ele se sentia uma criança inocente de novo.

Mas ele amava o jeito que seu coração batia perto dela. Tão rápido, tão forte, que doía. Ele não entendia o porquê disso, mas sabia que isso fazia com que ele se sentisse vivo.

Ele nunca tinha se sentido tão vivo.

Angel limpa suas mãos sujas em um pano velho que tinha ali, e entrega outro para ele. Ele tira o excesso da terra das mãos, começando a se incomodar com a sujeira. A terra molhada era pegajosa e fria. Parecia sangue.

Ele passou a cada vez mais, sentir a lama em sua mão. Parecia que, quando mais ele esfregava o pano na pele, mais espalhava, e mais o sangue impregnava em seu corpo, e ele estava caindo de novo, ele era uma criança e suas mãos tremiam enquanto segurava a varinha, e ele tentava murmurar a maldição imperdoável, mas não conseguia e ele sabia que seu pai o puniria por hesitar tanto assim e...

Ela reparou que ele tinha ficado imóvel quando começou a limpar as mãos. Chamou seu nome, mas ele não parecia ouvir. Angel foi para sua frente, pois ele estava de costas para ela, e viu o olhar distante dele, perdido em algum lugar de sua própria mente; os olhos voltados para sua mão.

Ele estava tremendo, esfregando com força o pano nas mãos que já estavam praticamente limpas de toda a terra. Sua pele bronzeada agora estava pálida, os lábios dele tremiam. A pele de sua palma estava começando a ficar avermelhada, e ela o chamava, mas ele não estava escutando. Lágrimas começaram a cair dos olhos dele, e Angel se assustou. Ela pode não conhecê-lo muito bem, mas tinha certeza de que ele nunca choraria na frente de alguém. Nunca.

Ele não estava mais na estufa há um bom tempo. Seu pai o obrigava a matar Ethan de novo e de novo, a mulher e o bebê da véspera de seu aniversário seriam os próximos. E então, ele a via. Angel, amordaçada e sangrando, sendo torturada enquanto gritava, e suas mãos estavam sujas com o sangue dela, e ele passava as mãos na roupa mas o sangue não saía...

Seu pulso doía.

Sua cabeça parou de rodar, e ele voltou com tudo para a estufa, precisando de alguns segundos para se acostumar com a tontura. Estava sentado no chão, a palma de sua mão ardia lá no fundo de sua mente, mas a dor de verdade estava em seu pulso esquerdo. Ele volta a cabeça para seu braço, que de alguma maneira estava levantado, mas ele não tinha força para sequer respirar direito, então como ele conseguiu levantar o braço...?

Ela apertou com mais força seus dentes no pulso do garoto, sentindo o alívio inundá-la quando ele voltou a cabeça para ela. Ele precisou piscar algumas vezes até que finalmente, Mattheo voltou a si. Ele a encarou ofegante, com lágrimas acumuladas nos olhos ainda. Eles apenas ficaram se encarando, enquanto ela sentia o leve gosto de sangue dançar por sua língua. Ela começou a lentamente afrouxar a mandíbula até que soltasse o pulso dele, vendo a marca de seus dentes gravadas na pele dourada. Sangue escorria de alguns pontos que haviam rasgado.

Ele a encarou, chocado. Ela me mordeu, pensou, a cabeça se acalmando. Que garota atrevida. Ela é louca? Ele observou os filetes de sangue que escorriam de alguns pontos de seu pulso, em choque. Voltou a encará-la, que lambia os lábios, os resquícios do sangue dele sendo limpados da sua boca.

— Desculpa. - disse em um sussurro - É o único jeito que sei para lidar com crises... - ela soltou uma risada sem humor - É que o corpo só... - mas ele a interrompe.

— Só aguenta uma dor de cada vez. - a voz dele está fraca e falha. Ela se assusta ao ouvi-lo, não porque esse tipo de tom não combina com ele. Mas porque ela nunca conheceu ninguém que... entendesse.

Angel faz que sim com a cabeça, se levantando. Mattheo assiste quando ela pega uma caixa branca de um dos armários, e volta para perto dele. Eles ficam em silêncio enquanto ela passa álcool na ferida, aplica um pouco de pomada e enfaixa o pulso dele. Quando ela termina, sorri para ele, se sentindo triste pelo garoto.

— Já teve alguma crise? - pergunta, e entende quando o garoto faz que não. Ela sorri, condescende - Eu sei que é ruim... você se perde dentro da sua cabeça e é difícil de voltar. - ela suspira, e ele prende o fôlego quando ela tira a blusa de moletom tão maior que ela, mostrando os braços e o pescoço, cobertos de marcas avermelhadas - O corpo encara as crises, de ansiedade ou pânico, como uma dor. Uma dor psicológica, mas do mesmo jeito... - ela engole em seco, seu cérebro está confuso - Não faça isso toda vez, vira um hábito. - ri sem humor - Um vício. Olha para mim.

Ela encara a pele machucada com repulsa, e ele tem uma vontade imensa de gritar com ela por encarar a si mesma com tanto nojo. Ele acha ela a criatura mais linda que já viu.

Mattheo engole em seco, fazendo muita força para se desencostar da mesa que estava apoiado, provavelmente ela o sentou ali, e retirar a capa. Ela observa quando ele desabotoa a camisa branca, e segura o fôlego ao ver as cicatrizes que cobriam seu peito e barriga.

Mattheo retira sua varinha do bolso na calça, fazendo um feitiço silencioso que tira o glamour de seu olho direito, expondo a única cicatriz que seu pai lhe deu no rosto. Foi quando ele voltou do cemitério, naquela noite. Voldemort não gostou de ter perdido o paradeiro do filho.

Angel sente seu coração apertar, principalmente ao ver a cicatriz de seu rosto. Ele era tão, tão dolorosamente lindo. Ela pensou que ele não diria nada, mas a voz rouca dele soou e embora não fosse o momento mais apropriado, ela sentiu um arrepio maravilhoso correr por seu corpo.

— Ele não gostava que eu pensasse antes de fazer minhas obrigações. - disse vago, mas ela entendeu que estavam falando de seu pai - Então se eu hesitasse por mais que dois segundos... - ele engole em seco, olhando para o peito e voltando o olhar para ela - Depois que ele acabava, eu vomitava minhas tripas para fora até que não tivesse mais o que vomitar. Mas um dia eu aprendi que uma dor substitui a outra, então passei a fazer... - ele estende a mão boa para ela, que ela nunca havia reparado tão de perto. Pequenas cicatrizes cobrem toda a pele, mas ela percebe que eram profundas pela maneira que formaram um relevo. Também repara nas queimaduras de círculos perfeitos; cigarros, concluiu.

Ela aperta a mão áspera do garoto, o simples contato fazendo com que o coração dos dois palpitasse. Angel se aproxima dele, sua mão indo para seu rosto. Ela estuda a face linda do garoto, seu coração parece querer quebrar sua costela.

Ele fecha os olhos quando o dedo dela contorna a cicatriz que mais lhe machuca, que estraga o único momento bom que ele teve durante a infância.

Uma lembrança que Voldemort lhe deu. Para lembrar a ele que toda a felicidade que ele teve veio de momentos roubados.

Ele sente a respiração dela próxima à sua boca. Seu coração está esmagando seu peito, e ele não se importa mais com essas sensações. Elas são gostosas e ele se sente vivo com elas.

Ele se sente vivo perto dela.

Angel fecha os olhos, a mão esquerda ainda sobre a cicatriz dele, a direita no ombro musculoso do garoto. Ela escorregou o dedo pela protuberância da cicatriz, apoiando sua mão na mandíbula dele e respirando fundo. De leve, apertou a pele do pescoço dele com o dedo médio, sorrindo ao perceber sua pulsação. Tão acelerada quanto a dela.

Isso lhe dá a coragem que ela precisava para colar seus lábios contra os dele, finalmente.

𑁍

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A Biografia de Mattheo RiddleOnde histórias criam vida. Descubra agora