3 - Mattheo, 1987 (passado)

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Ele estava feliz. Pela primeira vez na vida, ele se sentia feliz.

O pai havia sido bem sucedido em algo cruel que queria, e seu bom humor refletiu-se em deixá-lo sair, pela primeira vez, da mansão.

Ele pediu para que os comensais não viessem, e o pai deixou. Ainda não conseguia acreditar em sua sorte. Sabia que estava sendo seguido, podia ter apenas oito anos mas não era burro.

Ele olhou para a vila pequena que havia perto de sua mansão, querendo ir além. Agora que conhecia, mesmo que de mentirinha, a sensação da liberdade, ele estava obcecado. Queria mais.

Mattheo olhou ao redor, sabendo que ao oeste, três comensais o observavam. Ele inspirou fundo, decidindo testar em longa distância, a técnica que vinha treinando sozinho há alguns meses.

Sentiu como se estivesse sendo espremido contra um tubo apertado, seu corpo inteiro se desfazendo e voltando ao normal quando aparatou; um cemitério sendo formado em sua cabeça. Ele não fazia a mínima ideia de onde estava, mas gostava de cemitérios.

Não sabia se continuava na Inglaterra, ou se estava no meio de uma ilha no Atlântico. Também, não se importava. Cemitérios eram sempre silenciosos e frios, como seu jardim. Ele ama o silêncio.

Seus passos são abafados na grama úmida pela neve que provavelmente descongelou durante o dia. Ele zanzou pelas lápides, lendo algumas e contando as datas para saber qual foi a idade do falecido ao morrer. Isso ocupava sua mente.

Ele então, ouviu algo não muito distante. Sua curiosidade gritou mais alto, o que levou o garoto a andar até o som, encontrando uma figura sentada, as costas apoiadas à uma lápide.

Era uma garota. O luar brilhava sobre seus cabelos de uma maneira fantasmagórica. Ele reparou que ela segurava uma flor branca na mão esquerda, e que as unhas da mãos direita estavam fincadas no antebraço esquerdo. Sangue escorria da pele branca.

Ela murmurava uma canção, o vento levava o som para longe. Ele não sabia o porquê, mas queria ouvi-la.

Mattheo tomou cuidado ao andar, cada vez mais perto dela. Ele se sentou atrás de uma lápide duas fileiras atrás dela. Onde lhe dava total visão da garota, e permitia que ele escutasse.

Era uma melodia simples, e meio sem graça. Muito animada para a situação em que a garota se encontrava, ele concluiu. Mas mesmo assim, parecia certo ela cantar algo daquele tipo.

Ele não entendia muito de música.

Ela continuou cantando, girando a flor entre os dedos e balançando a cabeça no ritmo da melodia. O sangue que escorria por culpa de suas unhas secou há um tempo, e agora ela se divertia ao tirar as casquinhas secas e que esfarelavam de seu braço. 

A menina inspirou fundo, interrompendo a cantoria pela primeira vez. Ele ficou imóvel onde estava, vendo-a se levantar e seguir pelo cemitério, pulando.

Ela parecia triste, mas era o tipo de tristeza que ele seria feliz se sentisse, ele pensou. Ele quer ser triste como ela.

Ela tinha o tipo de tristeza que ele queria sentir. O tipo de tristeza que dá para sentir e ser livre ao mesmo tempo.

Mattheo sentiu uma dor de cabeça excruciante de repente, e soube que seu pai estaria furioso com ele.

Deu mais uma olhada na garota, que agora já saía pelos portões de ferro do cemitério, aparatando de volta para sua casa.

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Seu pai estava irado. Tão furioso que o puniu ao fazer um corte que riscava de sua sobrancelha ao início da bochecha direita.

Ainda doía, o machucado. Mas ele sabia dos riscos quando fugiu. E desobedeceu as ordens mesmo assim.

Estava magoado, só queria ter um pouco de liberdade. Mas quela punição não doeu tanto, pois a imagem da garota não saía de sua mente.

Ela havia deixado ele mais feliz.

Pensar que existe alguém que sofre daquele jeito, fez com que ele se sentisse melhor. Pelo menos ela não está no seu lugar.

Quando ele se olhou no espelho, porém, a felicidade foi arrancada de seu peito. A cicatriz era horrível.

Ele deu um jeito de enfeitiçar a pele, para que a cicatriz sumisse.

Não gostava de ser lembrado que sua única felicidade veio de um momento roubado.

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A Biografia de Mattheo RiddleOnde histórias criam vida. Descubra agora