Alesia penetrou a neblina sem olhar para trás. Uns poucos passos e a casa atrás dela desapareceu, escondida pela bruma espessa, como o resto do lago. Logo haveria só ela, envolta pelo desconhecido.
— Não vai fazer nada irresponsável! — disse Art, sua voz vinda de algum lugar próximo.
— Até parece! — ela respondeu, tentando ser séria. — Fala isso mais uma vez e boto fogo na sua calça!
Art respondeu com uma risada, que se afastou conforme ele procurava seu próprio canto. Ela ouviu Lena rindo, um riso baixo e contido, também se distanciando. Sobrou o riso de Alesia, sozinha entre as árvores.
Ela sorria. Sorria desde que acordou com os gritos e viu o clima. Não sorriria tanto para um dia de sol; os quatro esperavam neblina como aquela há meses. Esperavam desde que começaram a se encontrar na casa do lago.
Passos apressados soaram pelas árvores, cheios de vigor. Não vinham de onde Art ou Lena tinham ido. Eram os passos de Von.
Alesia ainda tinha a imagem dele fixa na mente. O sorriso enorme, travado, impessoal. Os olhos arregalados e distantes. Engolira o café da manhã como um animal faminto, logo mergulhando na neblina, correndo, rindo. Agia como se aquele fosse o melhor dia da vida dele; de muitas maneiras, provavelmente era. Ela não conseguia segurar a curiosidade: o que será que ele faria? Torcia a boca só de pensar nisso, mas era inegável que Von fazia umas coisas bem impressionantes. Num dia de neblina, do que seria capaz?
Ela seguiu os passos. O mundo era o branco das brumas e a imagem das árvores, surgindo e sumindo a cada poucos metros. Von estava parado num aberto entre as árvores, onde a neblina dava uma trégua. Ele mantinha o mesmo sorriso: amplo, vidrado, eufórico. Alesia se escondeu atrás de uma árvore, mas achou desnecessário. Naquele estado ele nunca a notaria.
O sorriso de Von morreu. Ele inspirou, esfregando as mãos, fechando os olhos. Alesia inclinou a cabeça para a frente, tentando ver o que ele fazia, mas mesmo com a neblina mais branda a imagem dele vinha borrada. Ela deu um passo hesitante, tentando ser o mais silenciosa possível. Ele não reagiu.
Von tinha a face séria, contraída, como se tentasse se lembrar de alguma coisa, resolver alguma coisa, inventar alguma coisa. Tinha as mãos juntas em forma de concha na altura do umbigo. Alesia estava a poucos metros dele agora, espremendo os olhos, tentando ver.
As mãos de Von se separaram. Alesia sentiu os pés escorregando do chão, o ar saindo dos pulmões, o sangue deixando a face. A única reação que ela teve — que ela conseguiu ter — foi um pensamento.
Eu vou morrer.
-------------
Obrigado pela leitura! Fique ligado, novas cenas serão publicadas todas as segundas, quartas e sextas-feiras. E se você ficou impaciente e quer ler mais, dá uma olhada aqui: http://bit.ly/principiosdonada

VOCÊ ESTÁ LENDO
Princípios do Nada
Детектив / ТриллерE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...