As Férias de Von (II)

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Von ficou surpreso ao descobrir que conseguia fazer seu fogo perpétuo, da mesma forma que fez na primeira noite nos Picos. Foi a primeira coisa que saiu como ele queria dia todo.

Enquanto o sol ainda brilhava ele se meteu fundo na mata, longe dos olhos de tudo e todos, mas mesmo assim a facilidade não era nada quando comparada aos Picos. Em uma hora conseguiu produzir um punhado microscópico de areia, que mal conseguiu ver a olho nu. Fez terra se tornar ferro, sim, mas foi custoso e cansativo, fazendo-o se sentir magro e fraco. Nos Picos teria feito aquilo sem nem pensar. Fez do ferro ouro, que encarou com curiosidade. Quanto valeria aquilo? Deixou o material escorrer entre os dedos, voltando à terra. Não resolveria nenhum dos seus problemas.

Tentou transformar areia, terra e folhas em alguma máquina, algum mecanismo cujo funcionamento não entendia, e o melhor que conseguiu foi um relógio de corda, enorme e feio. Era difícil admitir, mas em uma coisa Art estivera certo: os Picos eram um ambiente incrível para experimentar.

Era a fé. Na mente de Lena, os dois estavam totalmente sozinhos. Mesmo ali, Von ainda dividia o mundo com alguns bilhões de moles. A fé dos homens exercia sua força inconsciente.

E a Consequência. Nos Picos não existia Consequência.

O problema foi a expectativa, não o resultado. Afinal, até criou matéria! Uns poucos grãos, enquanto... Enquanto nos Picos fez paraquedas. Olhava para o relógio de corda, que brincava de derreter, e se lembrava como nos Picos fez um avião. A única coisa que deu totalmente certo era o fogo, que queimava no fundo da caverna que ele tinha encontrado. Fogo que não consumia os gravetos, que não produzia fumaça nem cheiro, nascido sem faísca. Sorriu pela primeira vez no dia inteiro.

Talvez ele só estivesse desmotivado. "Fé é só parte da coisa", como dizia Merriam. "Força de vontade é tão importante quanto." Mas era difícil arranjá-la. Não foi para experimentar que tinha ido até ali, afinal.

Não levou colchão para a viagem, confiante que conseguiria fazer um, mas no fim o que conseguiu fazer foi um saco de dormir tosco. Tentou fazer comida, mas tudo que saiu foi um arroz sem gosto, que ele desistiu de comer depois de algumas garfadas.

Mas comida era um luxo desnecessário. Se você faz comida nascer do ar todo mundo vê. Se você simplesmente não come ninguém dá a mínima. Ninguém vai fazer um exame de sangue pra notar que os nutrientes estão surgindo do nada. Se bem que... Para que precisava de nutrientes? Não podia simplesmente se manter vivo?

"Você foca demais no caminho, Von. Foque no resultado."

Tivera uma conversa sobre isso com Alesia uma vez, quando ela perguntou como ele havia feito uma coisa.

Foi num dos primeiros dias que os quatro ousaram praticar depois que Merriam tinha acabado com a lição do dia. Lena criara uma ilusão crível de uma folha, que eles não conseguiram distinguir da coisa real só de olhar. Alesia conseguira fazer Von dormir, encarando-o por menos de um minuto. Art conseguira passar uma imagem, não só as palavras, mas realmente a imagem, direto para a mente de Alesia. E Von tinha saltado cinco metros.

— É uma questão muscular — ele explicara. — Aprendi a deixar os músculos mais fortes.

— Qual é, não é só isso — Alesia respondera, inclinando-se para a frente e tirando a franja da cara. O perfume do cabelo recém-lavado se mesclou com o cheiro de comida vindo da cozinha, onde Lena tentava uma das receitas que aprendera com Cella, e Von se lembrou de ter ficado perdido por um momento, sem responder por tanto tempo que ela repetira: — Não é só isso, eu vi quando você tava fazendo isso. As suas pernas inchavam. Mas isso não te levou a mais do que dois metros.

— É, verdade. Esse negócio de fazer mais músculos é meio ruim, depois de um tempo cansa, dá fome, dói... E tem um limite, né. Ninguém salta cinco metros, por mais forte que seja.

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