Capítulo 9: Confiança (V)

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Von saiu do banheiro cabisbaixo, sussurrando para si, a mente em Art e nas conversas que tivera com ele antes de tudo. Por um momento quase se preocupou com o amigo, mas, diabos, era Art. Fazia mais sentido se preocupar com Lena, ou Alesia...

Puta, Alesia! Será que ela estava na cidade? Será que o ataque...

Von demorou para perceber que a mulher que estava esperando-o no corredor não era Alesia. Esfregou os olhos, mas foi a voz que terminou o trabalho de distinção:

— Oi — disse Jo, recostada na parede, uma vela na mão. Von engoliu em seco, subitamente arrependendo-se do que não fez no banheiro. Certamente seria mais fácil manter a conversa sem aquele nível de hormônios no sangue.

— E aí — ele respondeu, tentando se manter descontraído. Diminuiu o passo, mas não parou. Ela o seguiu.

— Acho que a gente não teve chance de se conhecer de verdade. Tipo, mal fomos apresentados e já estamos nessa loucura de vida e morte — ela disse, suave, andando só um tantinho mais devagar do que ele, fazendo-o diminuir ainda mais o passo. — O seu nome é Von mesmo?

A mente de Von viajou para uma memória distante, no pátio do colégio, onde ele explicava para uma garota recém conhecida, Alesia, o motivo do apelido. A garota riu, e riu mais ainda quando ele contou seu nome de verdade, um nome dolorosamente ordinário.

— Depende, o seu nome é Jo mesmo?

Jo riu, dando de ombros.

— Justo. Meus pais tinham um gosto questionável pra nomes. Fiquemos com Jo e Von, então. Quantos anos você tem?

— Mil setecentos e trinta e seis — respondeu Von de imediato, sério como uma pedra. — E você?

— Vinte e oito — ela disse, nenhuma reação à resposta de Von.

— Você é nova. — Merriam tinha quase quarenta, e era um adepto. Segundo ele, uma pessoa normal demorava bons vinte anos para virar um adepto de respeito. Segundo Seh, esse tipo de estimativa era totalmente inútil. — Aprendeu cedo?

— Sim. Quando eu tinha doze, minha irmã mais velha me mostrou sem querer. Ela me ensinou por uns anos, mas depois aprendi sozinha e com os outros caras que você conheceu. — Os olhos dela caíram ao chão. — E com os outros que não tem mais como se conhecer.

— É, a vida anda meio foda. — Nos últimos meses perdi dois professores e o maior amigo que já tive. — Me diz, quanto tempo você demorou para se tornar uma adepta? — Talvez fosse uma pergunta indelicada, mas, como pensou ao perceber, foda-se.

— Fui adepta aos dezoito — ela respondeu, caminhando cada vez mais devagar, forçando-o a diminuir o passo. — E aos vinte e um fui Religiora. Depois sinceramente não sei; Cennen nunca me disse exatamente o que vem depois. Acho que ele fica pouco à vontade.

— E deveria. Poucos viram algo além de adeptos, bem poucos. — Ou pelo menos é o que o Merriam nos disse, quando perguntamos o que vinha depois. — Eu fui adepto só aos... Dezenove? Vinte? Não sei. Faz muito tempo.

A sinceridade pareceu confundir Jo. Ela não tinha caído na primeira mentira? Von não deu tempo para ela refletir:

— Que tipo de termo é "Religiora"?

— Eu sei lá — ela deu de ombros. — Nem Cennen nem Gaen souberam me explicar de onde vem o termo, mas eles concordaram com ele, mesmo Gaen vindo do outro lado do mundo. Eu sempre achei que é um termo meio como construtora é pra construção.

— Não sei se entendi.

— Ué, é assim que chamam quem mexe com matéria na frente de, hã, moles, certo? A maioria das vezes é visto como milagre, surge alguma religião. Apesar de que eu acredito que os Religiores do passado realmente tinham fé que seus milagres vinham de algo superior.

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