Capítulo 5: Os Mantos da Capital (VI)

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Trevor não era nenhum crente. Era um homem da ciência, talvez mais do que todos do grupo de estudos, e costumava se impressionar com o que não conseguia explicar. E agora a única coisa que não conseguia explicar em todo o universo era como os eventos dos últimos cinco minutos não estavam fazendo seu cérebro fritar.

Ele inspirou algumas vezes, fazendo o cheiro forte do Bosque penetrar fundo nos pulmões, mas ainda sentiu a tremedeira. Era sempre assim: podia manter a face séria, os olhos como pedras, mas o resto de si entregava seu nervosismo. Tentou tensionar os músculos, segurar-se de alguma forma, mas nada ajudava.

Aquele medo não fazia sentido. Fizera antes, quando era só Trevor, mas agora... De novo, não era mais só Trevor. Era capaz de muito, de feitos que fariam seu eu de cinco minutos atrás molhar a calça. As memórias voltaram de uma vez só, causando náuseas, deixando a cabeça pesada com conclusões e curiosidades. Queria experimentar. Será que era só a sua mente finalmente, objetivamente, perdendo contato com a realidade? A única forma de comprovar era testar uma das coisas que, aparentemente, já fizera um dia. Fechou os olhos por um instante, e, mesmo com eles fechados, viu Tom caminhando na frente dele. Abriu-os de novo, e a imagem que seus olhos traziam era até menos real do que aquela que sua mente fabricou.

Queria conversar com Von. Tantas coisas não faziam sentido... Mas antes precisava sobreviver a esse encontro. Caminhavam lentamente, só ele e Tom agora, depois do sumiço repentino de Clara e dos olhares preocupados de Cella quando disseram que era melhor ela ficar para trás.

Tom parou no lugar e ergueu uma mão. Trevor aproximou-se devagar, tomando cuidado com os galhos secos no chão, e acompanhou as ordens manuais do amigo. Os dois postaram-se um de cada lado de uma árvore especialmente grossa, e observaram. Vinte passos à frente começava uma área aberta circular, coberta de tocos. Havia um homem lá.

Olhando assim, na meia-luz do final de tarde encoberto, quase conseguia confundi-lo com Von. Tinha a mesma altura, e um cabelo negro surpreendente parecido com o do amigo. Usava uma jaqueta de couro, mas era marrom e longa, quase um sobretudo. As feições eram indistinguíveis por causa da distância. Estava sentado em um dos tocos, tão imóvel que lembrava uma estátua.

Trevor piscou algumas vezes, procurando mais alguma coisa suspeita, e se lembrou de outra coisa que Seh os ensinara. Tirou os óculos, esfregando os olhos, e viu como jamais tinha visto. Os tocos eram vivos, pulsantes, transmitindo uma vibração verde que ia e vinha a cada brisa. O homem tinha uma aura marrom-escura, pesada, densa. E, num toco ali perto, um jogo complexo de luzes. Trevor reconheceu imediatamente a sensação que vinha com elas. O Livro.

Trevor sentiu um frio se espalhando pelo corpo, deixando-o desperto. Por que o medo? Era só um homem sentado no toco. Poderia fazê-lo desmaiar, ou pior... Pelo que se lembrava, podia muito. Então por quê?

Porque não era um simples homem. Foi uma das primeiras coisas que aprendeu com Seh; sabia disso só de olhar para ele.

O homem falava. O vento trazia suas meias palavras, apagadas. Trevor olhou para Tom, na esperança de que o amigo estivesse entendendo alguma coisa, mas não o encontrou. Demorou alguns segundos para vê-lo algumas árvores à frente. Caminhava sem som, abaixado.

O peito de Trevor quase explodiu. Tom não tinha como saber quão perigoso era aquele homem. Pensou em chamá-lo, mas não era inteligente fazer barulho. Pensou em acenar, mas causaria muito alvoroço. Pensou em falar dentro da cabeça de Tom, mas era muito arriscado. A reação de boa parte das pessoas a isso era surtar, ou achar que ele falou em voz alta, o que poderia fazê-lo responder.

Trevor fechou os olhos e inspirou fundo, o vento frio e úmido fazendo seu nariz doer. Massageou as orelhas, e tão logo afastou as mãos ouviu:

— Isso é bom, realmente — sussurrava o homem sentado no toco, uma mão cobrindo a boca. — Não é trabalho de uma criança. Não vai ser muito rápido tirar isso daqui, mas pelo menos eu sei que ninguém mexeu. Os tipos que eles mandam hoje em dia não teriam nem a capacidade de perceber a complexidade do que há aqui. Mas ainda assim não justifica o sinal...

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