Capítulo 5: Os Mantos da Capital (IX)

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Art endireitou a postura e se forçou a ficar sério. O ônibus sacolejava na escuridão, levando em sua maioria alunos dos cursos noturnos à universidade. Estava cheio para a hora: os quatro, ele e os três homens da capital, tiveram que ficar de pé. Gaen pareceu desconfortável, o terno bem cortado roçando nos bancos sujos, e Cennen era gordo o suficiente para quase ocupar o corredor inteiro. Só ele e Raffes pareciam à vontade.

Sentia-se tolo. Conseguia fazer pompa com Von, passar-se por algum sério entendedor, mas ante aos homens fez papel de idiota. "Dominam o mundo." Que pergunta imbecil. Sua sorte foi que a ira de Von, a confusão no shopping e toda aquela correria pareciam ter feito os três relevarem a conversa de antes. Art precisava só ficar sério novamente, e teria o respeito (e medo?) que lhe era devido. No mínimo tanto quanto os homens agora tinham de Von.

Procuraram Von pela cidade, pelo shopping, mas o ruído e o medo das pessoas confundiam tudo. Art sentiu algumas coisas estranhas, mas ele mesmo teve que se conformar em não saber exatamente onde estava o colega. A melhor forma de ir até o Livro era, também, a mais banal.

A única vantagem do veículo cheio era que podiam conversar à vontade.

— Vocês têm alguma ideia de quem pode ter vindo pegar o Livro? — disse Art, cortando o ronco rouco do motor.

— Não — respondeu Raffes, e só continuou depois de alguns segundos, como se percebesse a inutilidade de sua resposta. — Quer dizer, há muitas possibilidades, mas não consigo pensar em nenhum nome. Pode ser...

— Raffes — Gaen limitou-se a dizer, num tom um tanto agressivo.

— Gaen, por favor — interpôs Cennen, levemente irritado. — Não temos porque mesquinhar esse tipo de coisa.

Raffes olhou para Cennen e Gaen, voltou e foi de novo, e deu de ombros. Os dois pareceram travar uma batalha silenciosa, mas Gaen logo recuou e aceitou.

— Nós costumamos ficar de olho em toda a região, em volta da capital e mais pro sul. Procurando movimentos estranhos, novas crianças... Mas ultimamente nada tem acontecido. Não há autônomos pela região, embora...

Embora vocês estiveram de olho em mim, e nos outros, pensou Art. Embora vocês notaram Seh e Henderson, e man...

A percepção quase o fez perder o equilíbrio. Embora vocês notaram Seh e Henderson, e mandaram um de vocês para entender o que estava acontecendo. Um chamado Merriam.

— Há um homem que já circulou essa região, mas isso faz algum tempo — continuou Raffes, sem perceber a expressão de Art. — Por acaso o nome Rocan lhe é familiar?

— Não.

— Talvez seja um movimento de um grupo maior... — disse Gaen. — Talvez tenham mandado só algum iniciado para ver do que se trata.

Passaram o resto da viagem em silêncio. Chegaram rápido até a universidade, saltando no ponto da biblioteca, e esperaram nele até a multidão que saiu do ônibus se dissipar.

— Creio que você sabe o caminho até o bosque, Raffes — disse Art.

Art passou a viagem de ônibus procurando Von, tentando falar com ele, tudo sem resposta. Talvez esteja só querendo se esconder de nós, pensou. Talvez esteja morto, riu. Morto, Von. Claro. Caminharam pelo estacionamento vazio da parte oeste e desceram, cruzando as vielas entre os prédios velhos e seguindo trilhas gastas até chegarem no bosque.

— Será que seu amigo não chegou ainda? — disse Cennen, bamboleando pesadamente sobre as folhas mortas do final de outono. Nada fazia som no bosque.

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