Capítulo 4: Viagem de Negócios (V)

7 0 0
                                    

O careca demorou para achar a fileira indicada no bilhete. Já estava escuro, e ninguém mais caminhava nos corredores. À frente, no palco, o homem de paletó falava alto, e todos ouviam.

— Desculpe-me pelo atraso — sussurrou o careca, sentando-se.

— Ah, que bom vê-lo. Como você não ligou, eu temi pelo pior... — respondeu o homem na poltrona ao lado, um gordo com um bigode espesso. Ele não sussurrou, mas ninguém ouviu: todos, fora o careca e o gordo, preencheram o teatro com palmas.

— Foi só um imprevisto. Aconteceu alguma coisa para te deixar tão preocupado?

— Estou preocupado há anos. Desde Callíope. Mais recentemente houve Merriam, depois Siman...

— Discutimos isso depois — cortou o careca, apontando para o palco. — Quem é esse cara?

O homem de paletó tinha um baralho na mão, e, num movimento à primeira vista desajeitado, explodiu as cartas, lançando-as para todos os lados. Quando a última caiu ao chão, o público percebeu que ele ainda segurava uma. Vieram os aplausos. Os dois não bateram palmas.

— Estamos aqui para descobrir — disse o gordo. Tinha um olhar muito sério, vivo, o tipo de olhar que não deixa nada passar. Alisou o bigode e continuou. — Perdoe a minha impaciência, mas você encontrou algum sinal do Livro?

— Ele está na cidade, mas eu não sei onde. Os sinais estão lá, mas alguém o escondeu... E escondeu bem.

— Merriam?

— Nem sinal dele. Merriam é do tipo que interage... Acho ele não está mais lá. Mas acho que realmente fez crianças.

— E crianças seriam capazes de esconder algo de você?

— É, também não faz muito sentido...

— Você encontrou alguma dessas crianças?

— Eu... — O careca hesitou. — Eu não sei.

Os aplausos interromperam os dois. Eles olharam para o palco, onde o homem de paletó levantava a voz. Era isso que eles tinham ido ali para ver. Até aquele ponto era uma rotina batida, que os dois viram várias vezes. Se algo especial fosse acontecer, esta era a hora.

— Grande público! Agora é hora de... me desculpar. Esta apresentação não cumpriu nada do que lhes foi prometido pelas propagandas. — Ele caminhava no palco, tirando a cartola. Tinha uma vestimenta típica de sua profissão, apesar das mangas puxadas até depois dos cotovelos. O careca conhecia bem aquilo. Deixar os braços à mostra criava uma falsa impressão de "nada a esconder", que era importante para toda a preparação da rotina. Mas aquela parte, a fala, era estranha. O apresentador continuou:

— Até agora tudo que vocês viram aqui, por mais bem feito e convincente que possa ter parecido, foi só ilusão. Há muitos fazendo truques como os meus, e muitos fazendo muito melhor. Começo a apresentação assim só para lhes dar uma ideia do que é que existe, e de como sou diferente. Todos esses truques foram só isso: truques. Eu prometi mais. E agora entro num impasse: como faço isso? Como convenço vocês que eu realmente faço coisas especiais, espetaculares? Eu posso tirar um coelho da cartola... — disse ele, tirando um coelho da cartola. — Mas isso é manjado demais. Fácil. — Enfiou o coelho de volta, e equilibrou a cartola em um dedo só, girando-a. — Assim eu podia enganar-lhes mais facilmente, vejam, eu não teria força nem equilíbrio num dedo só para suportar a cartola e o coelho juntos. Mas ainda assim há maneiras de fazê-lo. Eu podia transformar tudo em pó... — Ele passou a outra mão na frente da cartola, que ainda girava no seu dedo, e, num estalo, colocou-a em chamas. Em poucos segundos ele segurava somente um punhado de cinzas. — Mas ainda assim, um truque factível.

Princípios do NadaOnde histórias criam vida. Descubra agora