Capítulo 7: Art e a Universidade (IV)

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Art deixou o supermercado só depois de entrar nos sonhos dos dois e confirmar que aquele ressoar era autêntico. Estavam muito cansados, e não despertariam por um bom tempo. Von tinha confiado o suficiente em Art para realmente dormir, aparentemente. Nunca entendeu por que o colega nunca se livrou do sono como Art fazia, mas até que combinava com ele. E Von não teria paciência para continuamente se dar energia, e arriscar ser engolido pela Consequência a cada instante.

Art se cansou de enfaixar o braço e deixou-o exposto, o sangue que brotava da pele pingando a cada movimento. Repunha-o diretamente agora, criando-o a partir do ar, sem a complicação de aumentar o metabolismo para que a medula compensasse a perda. Com a cidade vazia isso era trivial. Procurando outros efeitos passivos que podia estar sustentando, achou um. Depois do episódio no apartamento de Henderson, instalara uma espécie de alarme dentro de si: quando a Consequência chegava perto, ele se desligava, como aconteceu no bosque.

Desfez o alarme. Hoje ele só atrapalharia.

Mais cedo naquela noite, quando os quase-moles chamaram a Consequência depois que ele transformou os atiradores do bosque em vegetais, Von não teve problemas. Quando Art despertou reviu a cena, a forma como o colega fez fogo, defendeu-se dos ataques mentais... E sua fé superou a descrença dos peões. Doía muito, mas muito admitir, mas Von não tinha noção do quão poderoso era.

Von tinha talento; não só alguma facilidade, mas talento puro, algo que Art não gostava de admitir que de fato existia. Era como se Von simplesmente soubesse como fazer as coisas. Como se tivesse nascido para isso.

Mas só talento não serve de nada. Enquanto Von dorme, eu faço história.

A brisa noturna atingiu-o na face, sincera e fria, e Art olhou para cima. As nuvens corriam pelo céu, magras, o que ele achou curioso. O tempo estava passando normalmente? Tinha teorizado que, numa intervenção assim, alguém seguraria o tempo, para não correr o risco da manhã chegar. Era o que ele faria, de qualquer forma; talvez quem tirou os moles da cidade confiava que não precisaria de tanto tempo. Ele sentiu o rosto se repuxar com o sorriso.

Art deslizou pelo asfalto da avenida vazia e sentiu o estômago pesar de desgosto. Não deveria se sentir assim, mas não conseguia afastar o pensamento de que enganar Von daquele jeito foi golpe baixo. Fingir que estava tudo bem como não estava há meses. Agir como o colega queria que ele agisse. E, talvez, como ele queria agir... Sem tempo para isso. Primeiro o Livro. Primeiro quem quer que tenha vindo buscá-lo.

Seu plano corria bem, mesmo com a atitude surpreendentemente imprevisível de Von e das garotas... Mas ele tinha se preparado para isso. O que não previu, em hipótese alguma, foi Trevor. De todas as pessoas do grupo... Trevor? Seh poderia ter chamado Tom. Poderia ter chamado Alesia, Lena, ou, num caso mais difícil de compreender, Cella. Mas Trevor? Art compreendia por que Seh escolhera Von ao invés dele, mas TREVOR? Enquanto pensava na possibilidade de haver algum outro discípulo, a ideia de ser o tonto tímido de óculos pareceu tão remota que a descartou imediatamente. Não pensava mal do garoto, fora um bom amigo por anos, mas não... Não tinha o que era necessário. A garra. A força de vontade. A ânsia.

Art deslizava pela avenida, flutuando a alguns centímetros do asfalto, mais rápido do que qualquer carro. Viu a neblina com seus próprios olhos: um escuro arroxeado, quase negro, que a lua não conseguia atravessar. Por um instante temeu, mas depois sentiu o sangue subir quente pelo pescoço. Aquilo o excitava.

O que quer que tivesse sido lançado pela cidade, era muito forte. Era aquela complexidade conhecida, não a complexidade orgânica de Seh, mas a complexidade matemática que vira na mente do peão. Se fosse obra de um homem só, seria certamente alguém poderoso. Talvez poderoso o suficiente para dar-lhe um bom embate.

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