Capítulo 11: Lena e o Livro (I)

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Uma única gota de suor brotou na testa de Lena. As primeiras ela deixara cair, criando pequenos pontos na regata preta; algumas, depois, ela fez retroceder, sugadas de volta pela pele. Mas aquela última ela apagou. Aprendera aquele truque há pouco, sem querer, enquanto procurava o que realmente queria. Se continuasse tão difícil, logo teria que aprender a apagar o cansaço.

O forte das garotas, a muralha circular no meio do bosque, vibrava com os gritos de Rocan. Se houvesse mais alguém na Universidade, com certeza estaria ouvindo. Lena sabia que ele não sentia dor física (logo que aprendeu a fazê-lo, entrou no corpo dele e sentiu ela mesma), mas ver sua expressão ainda causava náuseas. Não havia motivo lógico para isso: desde que entrou na mente de Rocan pela primeira vez, achando que era Von, ela soube que tipo de pessoa ele era. Ou se tornara, com os séculos. Merecia sofrer pelo que causou. Mas ver uma réplica de Von se contorcendo de dor quebrava-a por dentro.

Só mais um pouco, ela pensava. Só até eu descobrir o que eu preciso.

Mesmo entrando na mente de Rocan, Lena não entendia por que ele estava gritando. Não conseguia fazer o que estava fazendo e interpretar o pensamento não verbalizado dele ao mesmo tempo.

Talvez estivesse gritando só para fazê-la ver Von sofrer. Segundo o que vira nas memórias dele, era certamente algo que faria. Mas ela achava que não. Achava que o homem gritava por causa do que aquilo significava: sua derrota. O fim de seu blefe. Por uma garotinha, ainda. Ele não era tolo de acreditar que sairia dali com vida. Era inevitável.

Mas o inevitável começava a demorar demais. Há quantas horas estavam ali? Era só o volume de informações na mente de Rocan que dificultava o processo? Com Raffes, na casa do lago, ela demorou muito menos, e estava experimentando pela primeira vez. Pelas memórias de Von, roubadas sorrateiramente enquanto Art distraía-se mexendo em outros cantos da cabeça dele, o tal Siman tentou extrair as memórias num segundo só; e, logo depois, o próprio Von fez algo parecido. Mas, é claro, Siman foi um tolo se acreditou que, com seus métodos, conseguiria roubar algum poder de Von. Não se pode tirar as memórias de alguém e aprender com elas.

Mas o Livro mudou isso. O Livro de capa preta, que ninguém fora ela tinha aberto mais de uma vez, nem mesmo Von.

O círculo de pedras brilhava com uma luz roxa intensa. Quando Rocan entrou no círculo Lena vacilou e ativou sua armadilha cedo demais, mas não fez diferença. Rocan viu o Livro, em cima do pedestal de pedra que ela havia montado, e não deve olhos para mais nada. Não viu os símbolos no chão enquanto pisava neles, nem as escritas nas paredes, e não deu a mínima quando a luz brotou dos contornos de giz. Rocan colocou as mãos calosas no Livro, e abriu.

A primeira coisa que Lena fez quando Rocan agarrou o Livro foi mergulhar na mente dele mais uma vez, só para ter certeza. E, de novo, não achou resistência alguma. Visualizou o plano dele mais uma vez, simples e direto como era.

Ninguém sabia que Rocan não era mais poderoso. Ele ainda conseguia observar muito bem, até dentro das pessoas (se elas permitissem), e com isso viveu em seu blefe. E ele sabia, por experiência, que tomos como aquele podiam retornar sua fé. Podiam torná-lo grande mais uma vez, e com isso ele... Essa parte Lena não prestou atenção; algo a ver com uma mulher com nome esquisito. Se interessar por Rocan não facilitaria o processo.

Quando Rocan abriu o Livro ela o observava atentamente. Via a mente dele, mole apesar da habilidade de ver. E, então, enquanto mirava as páginas...

Lena se lembrava bem de quando ela compreendeu. Do dia que estavam os quatro vagando no lago, entediados, e, por acaso, viram Merriam trabalhando. Viram sua mente superior cavando fundo na existência, e sabe-se lá como entenderam. A fé deles não impediu Merriam; ela cresceu, abraçou aquela nova realidade. Lena se lembrava de como sentiu as calças quentes, úmidas, e viu-se como o que havia se tornado: uma criança. Um recém-nascido.

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