Capítulo 3: Os Picos (V)

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Art apareceu mais rápido do que ele esperava. Ouviu seus passos, e o amigo entrou no pequeno espaço entre as árvores onde Von estava. Via Lena longe, olhando confusa à sua volta.

— Ei Von, você viu isso?

Quando Art percebesse ficaria bravo com ele. Ficaria possesso.

— Vi — respondeu Von, indiferente. Sua mente ainda voltava à realidade, desacelerando, e sentia-se tonto. Nunca fizera algo que exigiu tanto dele. Demorou a perceber que Art tentava lê-lo.

— Ei, vocês viram isso? — gritou Lena, visível entre as árvores da distância. Nem Art nem Von olharam para ela.

— Caras? — tentou novamente Lena, chegando perto e percebendo a tensão.

— Von... — Art observou muito o estado de calma e fora-do-momento que Von se encontrava até entender o que ele significava. — Foi você que fez isso?

— Foi. — Von olhava Art como se dali a pouco fosse espirrar. Desviou os olhos dele e viu a margem do lago, na distância. Não havia mais neblina.

Art abriu um sorriso enorme, sede nos olhos.

— Isso foi incrível! Sério, inacreditável! Sumiu por completo, mas ao mesmo tempo pareceu tão natural! Extraordinário!

Von soltou um meio sorriso, e Lena arregalou os olhos, deixando escapar grunhidos de surpresa. Ainda era cedo, e sem a neblina o dia no lago era perfeito. Continuariam isolados por pouco tempo; em questão de meia hora muita gente iria até ali aproveitar o final de semana.

— Você consegue trazer de volta?

Von ficou sério. Poderia mentir. Deveria. Art ficaria chateado, mas não tinha o que fazer. Foi um teste ambicioso, um acidente: perfeitamente desculpável. Mas Von sabia que conseguiria trazer a neblina de volta, talvez até mais espessa do que antes.

— Posso — disse, simplesmente.

— Legal! — Art continuava eufórico. — Então... demora muito? Você me explica como fazer? Eu não sou muito bom nessa parte, mas...

— Art — interrompeu Von —, eu disse que posso.

Lena observou-o com dúvida. O sorriso de Art derreteu.

— Não que vou — terminou Von. Art deixou a boca pender semiaberta, sem emoção.

— Exige muito? É complicado? — perguntava Lena, baixo.

— Não, nada disso. É porque eu não quero.

Von deu as costas aos dois e começou a caminhar na direção do lago, pensativo. Aquele experimento bem-sucedido deu a ele várias ideias novas, como...

Uma mão no ombro o fez parar.

— Espera cara como assim? — disse Art. — Não tem problema se você não conseguir, quero dizer, a neblina ajuda muito, sem ela...

Von viu mais uma vez a chance de mentir, mas não podia. Vê-los tão empolgados com a neblina... Como podiam? Ninguém se lembrava do que aconteceu? Não... Lena com certeza se lembrava. Mas ela nunca levantaria a voz, nunca traria um assunto tão complicado à roda. Era tudo Art. Às vezes Von até achava que Art gostou do que aconteceu. Gostou de Alesia nunca mais dirigindo uma palavra a ele.

— Não. — Ele se virou para Art, engolindo a raiva. — Eu desfiz, e posso refazer.

Pergunta por quê, vai, pergunta, pensava Von, o rosto sério uma máscara podre do que tinha por dentro. Mas Art não perguntou.

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