Capítulo 12: Profecia (V)

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Alesia voou pela avenida e chutou Erm por trás, lançando-o longe. Ela não tinha conscientemente feito algo para deixar seu chute poderoso, mas ela quis, e pareceu funcionar.

Quando Von parou de falar, ela temeu pelo pior. E, olhando-o agora, soube que apareceu no momento certo. Correu para o lado dele.

Von respirava, mas só. Sua mente estava coberta pelo que ela interpretava como uma esfera de pedra, cheia de lascas e furos, por onde Erm penetrara. Trabalhava para restabelecer o pensamento, mas ela sequer soube se ele conseguiria ouvi-la.

— Mais um?

Alesia congelou. Não pensou no que faria depois. Pela voz, Erm estava a alguns passos dela, mas falava com calma, curiosidade. Ela agarrou o ombro de Von e tentou teleportar para longe, mas colidiu com uma parede invisível. Tentou de novo, e desta vez o impacto fê-la cair no chão. Von ainda era um vegetal. E Erm se aproximava.

— Curioso — Erm falava com o tom de um velho conversando com uma garotinha. — Como é tão inexperiente e consegue ir de um lugar ao outro sem passar pelo meio?

Alesia franziu o cenho, ofegando, e mergulhou em Von. Ele resistiu, puro reflexo semiconsciente, a mente encolhida dentro de suas paredes. Ela deslizou a mão para perto da dele, esperando que ele sentisse. Que entendesse.

Me deixa entrar, Von. Me ajuda. O que eu faço?

O ar saiu da volta dela e retornou de uma vez, golpeando-a por todos os lados. Ela cambaleou, entendendo que subitamente estava de pé. Fechou os punhos, mas ouviu um soluçar e percebeu que não estava mais na avenida. Seus olhos se acostumaram com o escuro, e a primeira coisa que viu foi Erm, acima. Colossal, mas não inteiro. Via-o por uma tela — não, um vitral —, a figura do velho se movendo tão devagar que ela demorou a ver o movimento. Era gigante, como se ela estivesse... Dentro da cabeça do Von.

Von estava ao centro, sentado numa cadeira de metal. Não se movia, mas não por lentidão. Estava paralisado, respiração errática. Os olhos mortos olhavam para cima, para Erm. Parecia prestes a morrer. Parecia furioso.

— Eu não sabia que você conseguia fazer isso aqui, Von — disse Alesia, olhando para os lados. — Quando você aprendeu a deixar o tempo lento dentro da própria cabeça?

Ele não respondeu. Provavelmente se esforçava em dobro agora, metade reconstruindo as estruturas mentais que Erm destruíra e metade colocando-a naquele espaço.

E que espaço.

A primeira coisa que chamou a atenção de Alesia foi o primeiro som que ouvira: o soluçar. Num canto, numa fatia daquela cúpula, Lena chorava. Não a Lena de verdade: a imagem que Von tinha dela. Alie reconheceu o cenário. O chão de concreto rachado, tijolos, sujeira, barras enferrujadas... A zona de guerra dentro da cabeça de Lena.

Ao lado desta fatia, o chão mudava. O concreto se tornava pedra irregular, pontuda, cheia de estalagmites nas bordas. Ao centro, caído numa pose retorcida, um homem; ou o que restara dele. Alesia se aproximou e viu o que deduziu como sendo Siman. Da cabeça restava só a boca: o resto era um bolo de sangue e miolos. Os lábios se moviam.

— Quando você menos esperar... A morte virá. A morte. A morte...

Ela se afastou, sacudindo a cabeça. Acima, a mão de Erm se aproximava.

A próxima fatia ela entendeu rápido. Não tinha som, e o chão era só um preto indistinto. De pé, imóvel, Art. Art sorrindo, de braços cruzados. Quando ela olhou para ele os olhos fixaram-se nos dela, e ela recuou, quase acreditando que aquele era o Art de verdade, pregando uma peça nela. Os olhos eram frios e cruéis, cheios de astúcia. Os olhos que Art tinha ultimamente. Não precisava nem falar.

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