Capítulo 11: Lena e o Livro (IV)

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A luz roxa e os gritos cessaram momentos antes de Art aterrissar. Ele ouvira uma voz poderosa, uma ordem, mas não teve tempo de identificar exatamente o que era. Sem a luz ele perdeu o local exato, então quando pôs os pés no chão fechou os olhos e se tornou tudo à sua volta, sentindo o movimento. Achou várias árvores partidas, sinais de atividade sísmica, e duas pessoas.

Uma ele não reconheceu; tinha uma presença complexa, peculiar. Nunca tinha visto aquilo. Parecia cansado, ou machucado, mas a mente funcionava a todo o vapor. Funcionava com uma complexidade e habilidade que não podia ser de nenhum amador.

A outra pessoa ele reconheceu: Lena. Fez os pés flutuarem acima das folhas e deslizou, atravessando as árvores.

Avistou a muralha circular de pedra e a trespassou tão rápido que nem pensou que talvez fosse imprudente. Continuou flutuando, paralisado, sem conseguir digerir o que via.

O lugar fedia a sangue. Boa parte das pedras que formavam as paredes estava no chão, e as que permaneciam estavam trincadas. Havia uma pilha do que pareciam facas num canto, uma coluna de pedra partida no meio, e, entre esses dois, um homem de joelhos, lendo. Ou tentando: as páginas estavam meio derretidas, cobertas de algo espesso e rubro. O homem tentava separar aquilo das páginas, refazer as partes destruídas, mas era trabalho difícil. Art percebeu que não vira Lena, mas quando os olhos começaram a se mover o homem de joelhos se virou para ele. Art fitou-o, incrédulo.

Von? — disse ele, a voz projetada saindo rouca. Von estava com a roupa em frangalhos, e suava muito. Já vira dias melhores, mas os olhos não diziam isso. Estava eufórico, um misto de terror e conquista.

— Quem é você? — ele disse, uma voz grossa e poderosa, diferente do que Art esperava.

Art demorou um segundo para entender; o segundo que Rocan usou. Pedras voaram na direção dele como balas de canhão.

— NÃO! VOCÊ NÃO VAI ME ATRAPALHAR AGORA! — gritou Rocan, lançando uma saraivada de pedras num só movimento de braço. Elas choveram sobre a parede, levantando uma nuvem densa de poeira. Quando esta se dissipou, Art piscou, bestificado.

— O que você tá fazendo? — disse o jovem, deixando de ser incorpóreo. — Esse... É o Livro? Que porra tá acontecendo aqui?

Rocan ajeitou a postura, tirando a raiva dos olhos.

— Você é o Art. Eu sou o único que pode te ajudar agora. — Ele falava com calma, articulando bem as palavras. Art sentiu uma fisgada na mente. — A presença vai matar seu amigo Von. Ele é muito incontrolável para eles. Ele resistiu ao ataque que tentou matar a cidade, mas não resistirá a eles. — Art sentiu outra coceira incômoda, e levou uma mão à cabeça, olhos arregalados. Ergueu suas defesas ao máximo, defendendo-se de mais tentativas de roubar pequenas informações dele. Mas então outra voz veio, tão familiar que ele a deixou entrar.

Art... — A voz era baixa e doce, mas cheia de dor. Cheia de uma dor física, diferente da usual. Lena. — Não deixa ele pegar o Livro. Eu... Eu fiz besteira.

Rocan tentou chamar a atenção de Art, impedi-lo de olhar, mas foi incapaz. O jovem virou a cabeça para o lado, e viu Lena. Ou, mais precisamente, o que restava dela.

Helena era três cores. Negro do seu cabelo e sua blusa, branco de seu rosto e braços, e rubro de todo o resto. Art não tinha ideia de como ela sobrevivera ao que quer que a tinha deixado daquela forma.

— Lena...? — ele balbuciou. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas, e não estava em condições de segurá-las. Quis correr até ela, arrumar tudo, mas a voz da garota veio rápida como a luz.

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