Capítulo 2: Amigos (I)

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Von respirou fundo meia dúzia de vezes antes de fazer a última curva nas prateleiras.

— Bom dia — disse, sentando-se na mesa redonda. Pelo horário esperava ser o último a chegar, mas duas cadeiras ainda estavam vazias.

— Von! A gente achou que você não viria — disse Cella. Von notou seu cabelo impecavelmente escovado, escorrendo, castanho-claro, numa cachoeira por cima do ombro e parando só quase na barriga. Von passou a mão pelo próprio cabelo, sentindo-o oleoso.

— Por quê? — questionou ele, inclinando-se para a frente. Os outros membros do grupo de estudos tinham olhares preocupados. — Eu nunca faltei uma dessas reuniões.

— Você não foi na aula...

— Eu dormi pouco. — As olheiras presentes na véspera estavam ainda mais profundas, e o olhar de Von era cansado e sério. — E a primeira aula da matéria é sempre inútil.

— Descobrimos que o professor nem vai usar o livro — disse Trevor, uma sugestão de sorriso no rosto. Quando ninguém além dele pareceu gostar da ironia daquilo, deixou o riso morrer. — Vamos usar aquele genérico, tem uma centena desses aqui.

— Tantos assim? — disse Clara. Como poderia estar dizendo aquilo? Quem liga?

— Uns trinta — cortou Alesia, rápida. — Enfim... Onde estão Seh e Henderson?

Eram eles, e somente eles, que faltavam: seus dois lugares, lado a lado, estavam vazios na mesa. Assim como todos no grupo, os dois nunca haviam faltado uma reunião.

— Eu não sei — respondeu Von, analisando os amigos.

Alesia parecia entender a gravidade da situação, e isso agradava-o profundamente. Temia que ela, depois de deixar os quatro, estaria tão alheia ao perigo quanto Cella, do cabelo bem escovado, estava. Esta última, entretanto, tinha medo nos olhos. Talvez o julgamento de Von fosse um tanto apressado.

Lena estava séria, os olhos presos em algum ponto do horizonte, longe. Clara parecia muito perturbada, e sem saber exatamente o porquê. Trevor quase sorria, preso em sua ironia e insanidade temporária... Tom era uma parede de concreto.

Mas era Art que mais lhe interessava. Olhou longamente para o colega e não tirou nada de seu semblante sério, coçando o queixo, abrindo a boca:

— Vamos esperar mais um pouco.

Houve pouca conversa naquela meia hora inicial, todos querendo muito falar sobre o Livro mas sem coragem para começar. Alguém teve a ideia de tentar ligar para o apartamento de Seh, e Trevor foi a um dos telefones públicos do térreo da biblioteca. Sem resposta.

Uma hora depois eles se conformaram: os dois não apareceriam.

— Isso é muito estranho, logo depois de ontem... — disse Trevor, limpando os óculos.

— É justamente por causa de ontem. — Von levantou-se. — Em meia hora temos aula, não? — Todos concordaram com a cabeça, calados. — Depois da aula eu vou procurar eles.

Art levantou-se de súbito. Olhou para Von, sério, e ele retribuiu. Ninguém reagiu ao silêncio que se seguiu, que podia ser o prelúdio tanto de um abraço quanto de um chute na cara.

— Eu vou com você — disse Art.


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