Capítulo 10: Inevitável (V)

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Von caiu na grama de costas, rolando no chão e ficando de pé num salto. Olhou para os lados, girando no lugar, erguendo os punhos como um boxeador. Alesia conseguiu ficar séria por quase um segundo inteiro antes de explodir em riso.

— O que foi!? — ele disse, os olhos arregalados dando um ar de maníaco a ele, o que só fez Alesia rir mais.

— O que você tá fazendo? — ela disse, cobrindo a boca.

— Preparando defesas. Você não viu o cara? O velho que apareceu?

— Não — ela respondeu, um pouco mais séria.

— Apareceu um cara. Ele era... — A pálpebra de Von tremeu. — Não sei. É melhor se preparar.

— Contra o quê? — perguntou Alesia. — Você acha que ele ia simplesmente chegar aqui e meter porrada em você? — Ela se sentou na grama selvagem do canteiro. Vazia como estava, a avenida tinha um aspecto sereno, profundo e solitário, quase como uma versão cinza, verde e azul do branco de Seh. — Aquele cara, o... — Ah, foda-se. — O gordo, ele tá certo. Eles não sabem do que você é capaz. Acho que é mais provável que o cara venha bater um papo. Relaxa.

Von ficou congelado no lugar por alguns instantes, os olhos ainda muito abertos, o corpo rijo numa posição cômica de alerta que quase fez Alesia voltar a rir. A garota, entretanto, esforçou-se para permanecer séria.

— É verdade — disse Von, sentando-se ao lado dela. — Desculpa.

Ele coçou a cabeça e depois penteou o cabelo, ajeitando a jaqueta de couro e tirando os pedaços de grama dela. Tinha os olhos distantes, mirando o lago e além. Alesia observou o perfil do amigo. Tinha um quê de obstinado, um toque de insanidade, e uma tensão estranha. Cella tentara ensiná-la a entender melhor o que as pessoas estavam sentido, mas Alie nunca foi muito boa. E, mesmo sem saber, Marcella sempre roubou naquele jogo.

— O Art falou quando ia aparecer? — disse Von, fingindo calma.

— Não. Só me mandou esperar. Como se eu fosse ficar aqui sentada pra sempre... Convencido — ela disse, fechando a cara.

— Art... — Von agarrou um punhado de grama do chão, com tanta força que arrancou as raízes do chão.

— Von, o que tá acontecendo?

Von riu.

— Como assim? Tem um monte de coisa acontecendo. Tem o Livro, tem a Presença, quase morri hoje, e agora o Art, com essa história... — Ele baixou os olhos. — Cacete, será que foi mesmo ele que fez o Livro? Eu não consigo engolir isso ainda.

— Pensa bem, Von. O Art nunca foi atrás do Livro, foi? Como que o Art, o cara mais ambicioso de nós quatro, foi quem deu menos bola pra ele?

— ...É, isso faz sentido. Merda, era tão óbvio! Mas calma, se... — Von ergueu a cabeça, batendo uma palma sonora. — Ah! Claro que o Livro não é falso! Eu li um pouco dele!

— Então é por isso que você não quis se livrar do Livro! — ela disse, pondo-se de pé. — Por quê, Von? Os Picos não foram suficientes?

— Eu... — Von desviou o olhar, desolado, perdido. Ela reconheceu a expressão. Vira-a no amigo mais vezes naquela semana do que em todo o resto da vida. Alesia já vira Von assustado. Já o vira triste também. Mas o que ele mostrava na face não era nem um nem outro, tampouco um misto dos dois. Era o tipo da realização que vem quando percebemos que todos os medos da nossa vida são fúteis. A conformação que se apodera de nós quando não temos mais ideia do que fazer.

Alesia mordeu o lábio e se aproximou, sentando ao lado dele, pousando a mão no seu ombro.

— NÃO! — Ele saltou para longe. — Não. Você não vai fazer isso comigo de novo, Alesia. Eu cansei dessa merda. A iminência da morte me deixou corajoso o suficiente.

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